A palavra crédito deriva das palavras latinas credere, “confiança” e creditum, “uma coisa de boa fé”. Trata-se, portanto, de uma soma em dinheiro disponibilizada por uma pessoa, uma entidade financeira ou um banco, por um determinado período de tempo. O beneficiário deve pagar uma forma de remuneração, designada por juro, como contrapartida da disponibilização do dinheiro. Implica, geralmente, a prestação de uma garantia ao banco, pela quantia emprestada. O crédito ao consumo, geralmente, dispensa esta garantia e consequentemente implica uma taxa de juro mais elevada. Por definição consumo é a utilização, gasto ou aplicação de algum produto ou serviço, por um indivíduo (ou empresa), para suprir as suas necessidades. Ou seja, é o acto ou efeito de consumir.
Quando se recorre ao crédito está implícito um compromisso a longo prazo, e no caso do crédito ao consumo, deve-se proceder de forma a que o orçamento familiar não se desmorone durante o prazo em que o crédito durar, uma vez que esse crédito implica o pagamento de uma taxa de juro e, por essa razão, deve-se pensar cuidadosamente antes de contrair um crédito. Há pouco mais de dez anos não se ouvia falar em crédito ao consumo. O crédito que os portugueses conheciam era o crédito para a compra de casa e apenas alguns mais bem informados e próximos das instituições financeiras sabiam da possibilidade de utilizarem um crédito para fins privados. O crédito ao consumo é pois uma realidade recente entre nós.
O facto é que, hoje em dia, somos “bombardeados” com publicidade, quer através da televisão, quer através da rádio, revistas, internet e até mesmo um simples panfleto que aceitamos na rua. A publicidade feita pelas diferentes empresas tem como objectivo estimular o consumo, motivar, encantar e seduzir aqueles aos quais ela se dirige, através da criação de novas necessidades, com o fim de assegurar a venda de novos produtos postos no mercado. Assim, a função da publicidade é “vender um produto, aumentar o consumo e abrir mercados”, dado que, em cada anúncio vendem-se “estilos de vida, sensações, emoções, visões do mundo, relações humanas, sistemas de classificação, hierarquias em quantidades significativas”. É devido a esta poderosa influência que os media tem na vida de cada consumidor que as pessoas são incitadas a evidenciar um nível de vida contrário ao seu orçamento familiar. O domínio da publicidade é tão grande que o ser humano não tem condições de optar pelo que consome e o que não precisa de consumir.
Também a televisão impôs o audiovisual como uma realidade central da cultura e do quotidiano de larguíssimas camadas da população e, devido ao facto de ser um meio de informação e um instrumento lúdico, esta, por sua vez, influencia, a vida dos cidadãos, delineando-lhes as crenças e os valores. Pelas suas características, condiciona o espectador a ter uma atitude de observação passiva das mensagens que recebe.
De salientar que grande parte da nossa sociedade para quebrar o vazio que tem dentro de si “mergulha” no consumo exagerado como remédio para esse mesmo vazio. Por outro lado, também as novas tecnologias impulsionam a sociedade a consumir pois, tal como a publicidade, criam novas necessidades, levando muitas vezes as pessoas a recorrer ao crédito. O que antes era “topo de gama”, hoje já não o é, pois vivemos numa sociedade onde a tecnologia está numa constante renovação. Actualmente, existem telemóveis, computadores, ipod’s, ipad’s entre outras que antigamente eram impossíveis de imaginar. É devido a esta evolução tecnológica que a sociedade vai querendo cada vez mais e de melhor qualidade, habituando-se a padrões de vida elevados. Por estes motivos, as pessoas querem estar sempre actualizadas comprando sempre o que “está na moda”, e para tal, recorrem ao crédito com bastante frequência, com o objectivo de satisfazer as suas necessidades supérfluas.
A expansão dos centros comerciais é outro dos factores que influência o crédito ao consumo, já que com a evolução das grandes superfícies comerciais verifica-se uma grande difusão das redes de franchising e também o comércio electrónico, onde as contas são geralmente liquidadas através do cartão de crédito. É, então, com os grandes centros comerciais que se começa a usar técnicas de marketing que vão desde as campanhas de preços a outras formas mais sofisticadas de promoção de vendas, fazendo apelo aos valores privilegiados pelos consumidores. O espaço comercial é hoje comparado a um espaço de lazer, de convívio e de cultura. Existe, portanto, o cuidado das lojas com a sua parte estética, o simbolismo do próprio centro, as preferências e disponibilidades dos consumidores, que passaram a aliar a tarefa de comprar ao passeio de fim-de-semana. Também a modernização do comércio, assim como a flexibilização dos horários, animação e remodelação das lojas, constitui uma atracção para o aumento do consumo. Muitas destas lojas, têm-lhes associado um cartão de crédito especial, utilizado como instrumento de fidelização de clientes, criando, desta forma, uma atracção à compra por impulso, à compra como distracção.
Todavia, também a facilidade de acesso ao crédito cria um forte aumento da procura do crédito ao consumo, devido à diminuição das taxas de juro e à grande influência das campanhas publicitárias para a cedência de crédito. Facilmente podemos concluir que a publicidade transmite a ideia de que o crédito não é caro e que é de fácil acesso, podendo contribuir para o sobreendividamento dos portugueses.
Um dos aspectos que a realidade social tem vindo a evidenciar nos últimos tempos, traduz-se na criação de estímulos orientados no sentido de levar os particulares à aquisição de bens e serviços. Assiste-se, então, ao aumento progressivo do crédito para fins de consumo e consequentemente a uma acentuada diminuição do rendimento disponível das famílias. Os números do crédito malparado voltaram a aumentar em Janeiro, tendo já ultrapassado os 10% nos empréstimos para consumo. Depois de uma ligeira descida em Dezembro, o nível de incumprimento dos portugueses voltou a aumentar no início do ano, atingindo um novo máximo histórico. De acordo com os dados do Banco de Portugal, nesse mês, dos 138 979 milhões de euros emprestados, 4782 milhões são de cobrança duvidosa. Ou seja, 3,44%. As dificuldades económicas das famílias têm feito disparar o malparado, empurrado por níveis de desemprego recorde, conjugados com reduções acentuadas do poder de compra, fruto da acumulação de medidas de austeridade. Com cada vez menos rendimento disponível, os portugueses acabam por falhar as suas obrigações junto da banca. O aumento sentiu-se em todas as rubricas, mas é no crédito ao consumo que ele mais se destaca representando já 10,28% do crédito concedido, uma vez que o crédito ao consumo contabiliza 15,6 mil milhões de euros, mas se somarmos os 12,3 mil milhões designados por “outros fins” obtemos uma soma de 28 mil milhões de euros de empréstimos que não são dedicados à compra de casa. É um novo recorde, em cada 100 portugueses com crédito, 15,3 têm prestações por pagar ao banco.
Do total de portugueses com empréstimo para consumo, 17% tinha prestações em atraso em Março, contra 16,2% em Dezembro, afectando 635,8 mil devedores. É nos empresários em nome individual que os números são mais preocupantes. Em cada 100, há 28,5 que estão em situação de incumprimento. É, também, um número inédito desde que estes dados começaram a ser divulgados, em Março de 2009. Crescem mais as dívidas por pagar do que o valor do stock de crédito ao consumo. Os dados do Banco de Portugal mostram, desse modo, uma faceta muito particular dos portugueses que colocou mesmo o país em segundo lugar, num conjunto de oito, na taxa de crescimento anual de crédito ao consumo em 2011 (+3,28%), só superada pela Hungria (+8,4%). Ainda de acordo com esses dados, os portugueses teriam uma carteira de crédito ao consumo de 21,4 mil milhões de euros, o que daria qualquer coisa como 5514 euros por família (terceiro lugar em oito países, sendo que o primeiro é a Alemanha com 5659 euros).
Apesar destas percentagens de portugueses em incumprimento, o total do crédito malparado é bastante inferior, o que poderá indicar que há muitos portugueses que estão em incumprimento com dívidas relativamente baixas. Assim, apesar de 15,3% dos portugueses ter prestações em atraso, o rácio total de incumprimento entre as famílias atingiu os 3,53% face ao total dos financiamentos, em Março. No segmento de consumo, o crédito malparado fixou-se nos 10,70%. Em ambos os casos estes dados também correspondem ao valor mais elevado desde que há histórico (Dezembro de 1997). É notório que o pagamento atempado das dívidas ainda é um problema. Portugal é o país europeu com maior índice de risco de não pagamento e o quarto relativamente ao prazo de pagamento. Este risco reflecte que 90% das empresas em Portugal recebe os seus pagamentos com atraso porque por sua vez os seus clientes estão a atravessar por dificuldades financeiras.
Os consumidores sem qualquer tipo de educação financeira (e não estou a falar das gerações dos nossos pais e avós) procuram este tipo de crédito para compra de bens supérfluos e que não apresentam uma necessidade que justifique a situação e resultado. Ou então, contratam créditos para pagar outros créditos o que se revela um desastre ainda maior. Outras que, não obstante terem visto o crédito recusado por algumas instituições, não viram nessa recusa um indicador que algo se passa com a família do ponto de vista de possibilidade de cumprimento, acabando por conseguir o crédito fácil aumentando ainda mais o problema. É então neste âmbito que surge o fenómeno do sobreendividamento – designado por insolvência ou falência dos consumidores, correspondendo a situações em que o devedor dos créditos se vê impossibilitado de pagar o conjunto das suas dívidas. Concluo ser este um problema que atinge a maior classe social do país e cuja justificação não se encontra tanto na necessidade extrema de aquisição de bens para sobrevivência, mas sim na má gestão orçamental dos rendimentos familiares. É, pois, um problema de educação que terá de ser resolvido antes que se chegue ao ponto de ruptura económica. É urgente mudar as mentalidades dos nossos consumidores.
Catarina Fernandes
Nota: versão revista de texto antes divulgado
[Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3.º ano do curso de Economia (1.º ciclo) da EEG/UMinho]