No passado dia 15 de setembro, a agência Standard & Poors`s decidiu
retirar a notação de crédito (rating) de Portugal de “lixo”, elevando o rating de BB+ para BBB-. O ministério
das Finanças reagiu positivamente, congratulando-se pela decisão. Mas afinal o
que é um rating e para que serve?
Um rating é uma notação que
avalia o nível de risco de um determinado devedor. O devedor pode ser um Estado
soberano, uma autarquia, uma empresa, um agregado familiar ou até mesmo um
individuo. Um determinado rating irá
“espelhar” a probabilidade de o devedor entrar em incumprimento. O nível de
risco é importante pois é uma informação muito relevante para os investidores.
As agências de rating surgiram
em meados do séc. XIX pela necessidade de avaliação de empresas do setor
ferroviário, que estavam em forte expansão nos EUA. Ao longo do tempo, durante
o séc. XX, as agências foram adaptando os seus serviços às necessidades do
mercado, principalmente devido ao fortalecimento do mercado de capitais no
âmbito internacional. O modelo atual surgiu nos anos 70, com a recessão e a
procura crescente pela avaliação do risco. O colapso de Brettonwoods e a flexibilização
das taxas de câmbio proporcionaram um fluxo de capitais à escala global, o que
levou à procura de informações financeiras. Já nos anos 80, as agências
passaram a atribuir notas aos títulos soberanos dos países, por culpa da
expansão do mercado de títulos de dívida externa dos países emergentes.
Pelo exposto, conclui-se que estas agências solidificaram a sua posição
nos mercados financeiros ao longo do tempo. A existência de um sistema de
informação confiável e comparável sobre ativos financeiros é um pré-requisito
para o bom funcionamento do mercado de capitais
As agências usam informações qualitativas e quantitativas para fazer as
suas avaliações, muito semelhantes entre as diversas agências, mas usam
ponderações diferentes, pelo que as notações são diferentes.
Os investidores valorizam o trabalho das agências de rating não só pela sua qualificação, mas
pela análise de fundo. São eles que compram a dívida e solicitam as
qualificações.
As agências de rating viram a
sua credibilidade abalada quando em 2008, ao classificar o banco Lehman
Brothers com a nota "A" (grau de investimento seguro) até ao dia da
falência, isto depois de algo idêntico ter acontecido com a empresa Enron.
Por outro lado, os estados soberanos, perante a crise, viram as notações
revistas para pior, incluindo os EUA, que perderam a nota máxima. Desde então,
proliferaram os discursos negativos acerca da atividade das ditas agências. O
presidente dos EUA de então, Barack Obama, teceu duras críticas às agências de rating aquando da descida da notação dos
EUA, referindo que o seu país era e
sempre seria AAA (notação máxima) e não importava o parecer de uma agência.
Portugal, em 2012 viu a sua notação descer para BB-, prejudicando fortemente a
emissão de dívida e os investimentos pelo agravamento da taxa de juro, ferindo
o coração dos portugueses ao traduzir essa notação numa palavra: lixo. Outros
países foram fortemente afetados, tais como a Grécia e a Itália.
A polémica estava instalada. As críticas surgiram em catadupa e as
agências foram acusadas de cumplicidade do colapso do sistema capitalista mundial,
pondo em causa as metodologias de avaliação, bem como o modelo de negócio
assente em conflitos de interesse, pois estas agências são contratadas pelas mesmas
entidades que são avaliadas. Ficou ainda evidente que as agências não conseguem
antecipar as crises e, quando reagem, ampliam-nas. Estava claro que a
existência das agências tornou-se indesejável.
Contudo, esta ideia inverteu-se no passado dia 15 de setembro, no que se
refere ao caso de Portugal. A agência S&P,
a maior e a mais influente das 3 principais agências a nível mundial, subiu o rating a Portugal, retirando-o do nível
“lixo”. Discursos políticos de alegria e contentamento inundaram os principais
meios de comunicação social. Apesar de há meses estarem patentes os dados otimistas
da taxa de crescimento do PIB, a redução do défice e o bom momento de forma da
balança comercial, entre outros indicadores económicos, parece que o grande
momento ainda estaria para chegar. O surpreendente resultado rapidamente animou
a economia nos dias subsequentes. Portugal emitiu 1.750 milhões em títulos de
dívida pública com os juros mais baixos de sempre, a bolsa nacional obteve
ganhos relevantes, com destaque para a Galp e o BCP.
As vantagens da nova notação são evidentes: o financiamento do estado e
da dívida pública terá a situação mais favorável dos juros mais baixos; o pais
enfrenta uma maior resistência aos choques internacionais; e há um
favorecimento para os bancos e para as empresas privadas, uma vez que o perfil
de risco está associado ao perfil do país, ou seja, haverá um estímulo da economia
portuguesa. É esperado no futuro que as outras agências revejam também
positivamente a sua notação.
Estranho é o facto de as agências de rating
passarem de bestas a bestiais, no momento que as suas notações passaram a ser
favoráveis aos devedores. Em contraponto com as vozes discordantes de outrora,
agora que o vento está favorável, proliferam discursos de satisfação. Isto só
confirma que as agências de rating vieram
para ficar, para o bem ou para o mal, e os investidores solicitam muito os seus
serviços.
Ao logo dos mais de 100 anos de existência, a procura desses serviços
foi sempre crescente, pelo que as suas raízes são muito fortes. Apesar dos seus
serviços não serem perfeitos, são considerados por muitos do melhor que se pode
encontrar, e quem participa nos mercados de capitais terá de beneficiar ou
sofrer as consequências, conforme as regras do jogo.
Quanto aos países com economias frágeis, como a de Portugal, é
importante que faça por ter credibilidade internacional, atraia capital e controle
a despesa pública, criando as reformas estruturais necessárias para alcançar
esses feitos e gerar maior capacidade de produzir produtos e serviços de maior
valor acrescentado. Só assim, além de gerar maior valor efetivo para o país,
que é o que de facto importa aos portugueses, criará condições para se
“vacinar” contra o lado perverso das agências de rating. Discursos políticos incendiários ou de auto-valorização acerca
de qual governo fez o quê para o resultado das avaliações de rating não trazem mais-valias ao país. É
necessário assegurar o bem-estar da população e o governo que o fizer será
reconhecido pelos portugueses.
Aníbal José Baptista Peixoto
[artigo de opinião produzido no âmbito
da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de
Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]