Teoricamente, em Portugal, todas as pessoas têm acesso à saúde, independentemente do seu estatuto socioeconómico, jurídico ou da sua situação profissional, mas na realidade não é bem isso que acontece. As despesas das famílias neste setor têm vindo a aumentar, o SNS parece estar constantemente prestes a entrar em colapso e a desigualdade de acesso em função da situação financeira de cada um é uma realidade no nosso país.
A
incapacidade do SNS em responder a consultas de clínica geral, de especialidades
ou até a tratamentos específicos prejudica principalmente os mais pobres e
traduz-se em mais problemas de saúde diagnosticados tardiamente para esta
camada e, consequentemente, numa menor qualidade de vida. A pandemia veio
agravar ainda mais esta situação, pois a prioridade de combate à covid-19
provocou o adiamento de quase 1,4 milhões de consultas médicas no SNS. Além
disso, o medo ao vírus levou a que muitos evitassem a ida ao médico, contudo as
outras doenças não deixaram de existir e, muitas delas, serão diagnosticadas
numa fase mais avançada, o que tem consequências para os doentes mas também
para o sistema, que ficará mais sobrecarregado. Nestas circunstâncias, as
pessoas com maiores possibilidades, têm a oportunidade de se deslocar aos
serviços privados e resolver os seus problemas mais rapidamente, enquanto que
pessoas com dificuldades financeiras permanecem em lista de espera.
Este problema não é recente nem é
consequência da pandemia. Já é bastante conhecido em Portugal, pois não é
novidade nenhuma para todos nós que há pacientes do SNS que chegam a esperar
meses ou anos por consultas ou mesmo por cirurgias. Em 2017, segundo o
relatório da OCDE “State of Health in the EU, Portugal - Perfil de saúde do
país 2019”, cerca de 5% dos indivíduos que possuem baixos rendimentos em
Portugal comunicaram necessidades médicas não satisfeitas, um número superior à
média da UE e uma notável diferença relativamente à percentagem relatada por
indivíduos com rendimentos elevados, que foi quase nula.
Fonte:
OCDE
Ainda segundo o mesmo relatório, “cerca
de 61 % dos Portugueses no quintil de rendimentos mais alto consideram estar de
boa saúde, comparativamente a cerca de apenas 39 % no quintil de rendimentos
mais baixo, bastante abaixo das médias da UE (80,4 % e 61,2 %, respetivamente).”
O mercado dos cuidados de saúde é um
mercado de recursos escassos para necessidades ilimitadas, um mercado com
falhas de eficiência. Para que estas falhas sejam ultrapassadas, o sistema de
saúde tem de coexistir em harmonia com os setores privados e sociais, de forma
a que os recursos disponíveis sejam utilizados na sua totalidade e que toda a
população tenha igual oportunidade de acesso.
Para os estatistas, combinar o serviço
público com os serviços privados ou sociais pode não ser uma hipótese. Contudo,
não se trata de ideologias políticas mas sim de uma necessidade. É necessário
sermos eficientes, é necessário que os portugueses tenham acesso à saúde a
tempo e horas. O SNS deve, sim, combinar-se com os restantes de acordo com as
necessidades da população. O nosso objetivo deve ser ter um sistema de saúde
mais capaz e acessível, com um melhor desempenho, posto isto, não devemos pôr
em questão qual o prestador do serviço mas sim a qualidade do mesmo.
Certamente, um doente que precise de cuidados médicos urgentes terá preferência
por um serviço que não o deixe meses em lista de espera. E se esse doente não
tiver possibilidades? É este o centro da minha discussão: o Estado deve
organizar-se de modo a poder oferecer “saúde” aos seus cidadãos,
independentemente se essa é oferecida por serviços públicos ou privados, para
que os mais pobres não fiquem limitados à disponibilidade da oferta pública.
Os cuidados médicos são um direito básico que devem depender da necessidade do cidadão e não da sua capacidade de pagamento, além disso, os problemas de saúde não se podem colocar em pausa conforme a disponibilidade do SNS. Por estas razões, é urgente reduzir a desigualdade, deixar ideologias de lado e agir da “melhor” maneira (na minha perspetiva, será a melhor) de um ponto de vista social e económico, ou seja, prestando cuidados de saúde rápidos e de qualidade e atingir uma maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis.
Bruna Ferreira
Referências
Bibliográficas:
OCDE/Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde (2019), Portugal: Perfil de Saúde do País 2019, Estado da Saúde na UE, OCDE, Paris/Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, Bruxelas.
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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