Como tem vindo continuamente a ser mencionado, além dos seus efeitos na saúde, a pandemia da COVID-19 terá consequências importantes a longo prazo, especialmente para a economia europeia e, por conseguinte, nos níveis de desemprego e nos riscos de aumento da pobreza e precariedade. Assim, a recuperação, quando surgir, muito provavelmente será em forma de K, ou seja, com uma parte dos setores a restabelecer a sua atividade nos níveis pré-COVID-19 e uma outra parte a sofrer uma redução estrutural considerável da sua atividade, como é claramente o caso do setor turístico.
A nível europeu, o que a pandemia colocou em dúvida foram,
precisamente, os próprios fundamentos da integração europeia. Note-se que, as
principais caraterísticas da União Europeia (UE), descritas como os seus
“pilares”, são: o mercado único e a liberdade de circulação; o euro e o Pacto
de Estabilidade e Crescimento; e, por último, a lei da concorrência e dos
auxílios estatais. Na atual conjuntura, estes três pilares encontram-se
fortemente abalados, para não dizer, de facto, questionados. Neste sentido, encontrar-se-ão
certamente no centro das discussões, em 2021, sobre os aspetos práticos para
emergir da crise e o futuro do processo da integração europeia.
No que concerne à liberdade de circulação das pessoas, o
restabelecimento das fronteiras internas aquando do início da pandemia foi
obviamente uma decisão marcante e altamente simbólica, uma vez que provou que
“outros”, na forma de cidadãos europeus de outros Estados-Membros, ainda são
vistos como estrangeiros potencialmente perigosos porque podem ser portadores do
vírus. Este retorno às fronteiras internas levanta uma questão especialmente
delicada e que é relativa áquilo que deveria significar a remoção final das barreiras:
quando deveria acontecer e, em particular, em que condições (de saúde, económicas,
políticas) pensaremos que podemos reabri-las completamente sem correr muitos
riscos? Acontecerá primeiro nas fronteiras do espaço Schengen, ou por grupos de
países? Na ausência de uma abordagem comum para administrar a crise da saúde, e
confrontados com abordagens e práticas nacionais diferentes, para não dizer
divergentes, a hipótese mais realista poderia ser a de que as fronteiras
internas permanecerão como estão por muito tempo, variando, conforme as
circunstâncias o ditam. Quanto às fronteiras externas da UE, o atual exemplo da
China sugere que manter o território nacional firmemente fechado ao mundo
exterior, tendo superado a crise interna da saúde, é a norma.
Quanto ao futuro do euro, no contexto de uma união monetária
desprovida de mecanismos de solidariedade e sem qualquer governação política
supranacional, as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento foram,
naturalmente, temporariamente suspensas, em nítido contraste com a forma como a
crise anterior foi administrada. Naquela época, tal desencadeou um período de
austeridade drástica. Com esse precedente, a maior surpresa tem sido o acordo
para permitir empréstimos a nível europeu. Isto constitui potencialmente uma
mudança radical no desenvolvimento em curso da união económica e monetária, porém,
os empréstimos em questão serão examinados pelos países mais avessos ao
surgimento da solidariedade europeia.
Porém, a meu ver, o maior
desafio será olhar para o período pós-COVID-19 e, aqui, os défices orçamentais
dos Estados-Membros e as dívidas do Estado irão explodir, mas podem ser
financiados de diferentes formas. Há um desafio para a economia, tanto no curto
prazo como no médio prazo, em relação ao financiamento e que tipo de avivamento
deveria ser feito. Além disso, as inovações institucionais agora adotadas serão
temporárias ou de longo prazo? A iniciativa SURE (ajuda da UE para regimes
nacionais de trabalho de curta duração) é temporária ou é o início de um
sistema de resseguro do desemprego duradouro da UE? A possibilidade de contrair
empréstimos e prestar ajuda aos Estados-Membros é uma mudança estrutural de
paradigma ou uma forma temporária e limitada de ajuda? Considero que se, por um
lado, a crise anterior não permitiu grandes avanços no sentido da governação
supranacional da moeda única, esta será a segunda e muito provavelmente a
última oportunidade para o fazer.
Por último, a atenuação das restrições aos auxílios estatais e
o resgate das empresas em perigo, ainda que vistos como possíveis e legítimos, provavelmente
não são soluções de todo viáveis face a tudo o que implica. Aqui, encontra-se
em jogo a legitimidade da intervenção do Estado na vida económica, que está no
centro da mudança. Os efeitos desta crise na economia real serão duradouros e a
normalização demorará algum tempo, o que voltará a envolver diferentes
discussões e a permitir diferentes opções do antes. Será que o papel do Estado
na economia, seja indireta ou diretamente, irá basicamente “resgatar” os
setores tradicionais ou, ao contrário, irá impulsionar a uma transformação
ecológica? De momento, as exigências em matéria social ou a nível ambiental não
têm estado no centro dos apoios às empresas.
Em suma, podemos olhar para o futuro e ver que a UE pós-crise
poderá ter alicerces muito diferentes se os três pilares básicos continuarem no
cerne da questão ao longo do tempo ou, pelo contrário, poderá facilmente voltar
aos seus velhos hábitos.
Nelson
Fernandes
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade
curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º
ciclo) da EEG/UMinho]
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