domingo, 10 de janeiro de 2021

UE: um Futuro incerto

            Como tem vindo continuamente a ser mencionado, além dos seus efeitos na saúde, a pandemia da COVID-19 terá consequências importantes a longo prazo, especialmente para a economia europeia e, por conseguinte, nos níveis de desemprego e nos riscos de aumento da pobreza e precariedade. Assim, a recuperação, quando surgir, muito provavelmente será em forma de K, ou seja, com uma parte dos setores a restabelecer a sua atividade nos níveis pré-COVID-19 e uma outra parte a sofrer uma redução estrutural considerável da sua atividade, como é claramente o caso do setor turístico.

    A nível europeu, o que a pandemia colocou em dúvida foram, precisamente, os próprios fundamentos da integração europeia. Note-se que, as principais caraterísticas da União Europeia (UE), descritas como os seus “pilares”, são: o mercado único e a liberdade de circulação; o euro e o Pacto de Estabilidade e Crescimento; e, por último, a lei da concorrência e dos auxílios estatais. Na atual conjuntura, estes três pilares encontram-se fortemente abalados, para não dizer, de facto, questionados. Neste sentido, encontrar-se-ão certamente no centro das discussões, em 2021, sobre os aspetos práticos para emergir da crise e o futuro do processo da integração europeia.

    No que concerne à liberdade de circulação das pessoas, o restabelecimento das fronteiras internas aquando do início da pandemia foi obviamente uma decisão marcante e altamente simbólica, uma vez que provou que “outros”, na forma de cidadãos europeus de outros Estados-Membros, ainda são vistos como estrangeiros potencialmente perigosos porque podem ser portadores do vírus. Este retorno às fronteiras internas levanta uma questão especialmente delicada e que é relativa áquilo que deveria significar a remoção final das barreiras: quando deveria acontecer e, em particular, em que condições (de saúde, económicas, políticas) pensaremos que podemos reabri-las completamente sem correr muitos riscos? Acontecerá primeiro nas fronteiras do espaço Schengen, ou por grupos de países? Na ausência de uma abordagem comum para administrar a crise da saúde, e confrontados com abordagens e práticas nacionais diferentes, para não dizer divergentes, a hipótese mais realista poderia ser a de que as fronteiras internas permanecerão como estão por muito tempo, variando, conforme as circunstâncias o ditam. Quanto às fronteiras externas da UE, o atual exemplo da China sugere que manter o território nacional firmemente fechado ao mundo exterior, tendo superado a crise interna da saúde, é a norma.

   Quanto ao futuro do euro, no contexto de uma união monetária desprovida de mecanismos de solidariedade e sem qualquer governação política supranacional, as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento foram, naturalmente, temporariamente suspensas, em nítido contraste com a forma como a crise anterior foi administrada. Naquela época, tal desencadeou um período de austeridade drástica. Com esse precedente, a maior surpresa tem sido o acordo para permitir empréstimos a nível europeu. Isto constitui potencialmente uma mudança radical no desenvolvimento em curso da união económica e monetária, porém, os empréstimos em questão serão examinados pelos países mais avessos ao surgimento da solidariedade europeia.

     Porém, a meu ver, o maior desafio será olhar para o período pós-COVID-19 e, aqui, os défices orçamentais dos Estados-Membros e as dívidas do Estado irão explodir, mas podem ser financiados de diferentes formas. Há um desafio para a economia, tanto no curto prazo como no médio prazo, em relação ao financiamento e que tipo de avivamento deveria ser feito. Além disso, as inovações institucionais agora adotadas serão temporárias ou de longo prazo? A iniciativa SURE (ajuda da UE para regimes nacionais de trabalho de curta duração) é temporária ou é o início de um sistema de resseguro do desemprego duradouro da UE? A possibilidade de contrair empréstimos e prestar ajuda aos Estados-Membros é uma mudança estrutural de paradigma ou uma forma temporária e limitada de ajuda? Considero que se, por um lado, a crise anterior não permitiu grandes avanços no sentido da governação supranacional da moeda única, esta será a segunda e muito provavelmente a última oportunidade para o fazer.

     Por último, a atenuação das restrições aos auxílios estatais e o resgate das empresas em perigo, ainda que vistos como possíveis e legítimos, provavelmente não são soluções de todo viáveis face a tudo o que implica. Aqui, encontra-se em jogo a legitimidade da intervenção do Estado na vida económica, que está no centro da mudança. Os efeitos desta crise na economia real serão duradouros e a normalização demorará algum tempo, o que voltará a envolver diferentes discussões e a permitir diferentes opções do antes. Será que o papel do Estado na economia, seja indireta ou diretamente, irá basicamente “resgatar” os setores tradicionais ou, ao contrário, irá impulsionar a uma transformação ecológica? De momento, as exigências em matéria social ou a nível ambiental não têm estado no centro dos apoios às empresas.

      Em suma, podemos olhar para o futuro e ver que a UE pós-crise poderá ter alicerces muito diferentes se os três pilares básicos continuarem no cerne da questão ao longo do tempo ou, pelo contrário, poderá facilmente voltar aos seus velhos hábitos.


Nelson Fernandes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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