A recente notícia vinda a
público, na qual o Tribunal de Contas aponta o dedo ao Governo nas contas dos
gabinetes ministeriais, vem levantar a questão da moralidade que existe quando
de aplicam cortes, muitas vezes cegos em termos de despesa no nosso país.
A
situação em que Portugal
se encontra, no âmbito do programa de resgate internacional por parte da
Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, é
delicada. Estamos sujeitos a um programa de ajustamento que implica cortes na
despesa do Estado, muitas vezes em áreas sensíveis e que podem eventualmente
comprometer o desenvolvimento futuro do país, como a Educação ou a Saúde.
A
situação atual não é da responsabilidade deste Governo e resulta de décadas de
reformas estruturais que foram sucessivamente adiadas pelos vários Governos da
República. Reformas no sistema judicial, no mercado de trabalho, no mercado de
arrendamento, na saúde, na educação, apenas para citar algumas, são faladas há
décadas mas nenhum Governo teve a coragem de as implementar, parcialmente ou na
totalidade. A adicionar a esta falta de reformas, o país, pela mão dos
sucessivos Governos, tomou decisões em matéria de investimento, em diversas
áreas, que acabaram por ajudar a comprometer o nosso futuro como Nação. Exemplos
disso são a extensa rede de autoestradas que possuímos (uma das melhoras de
Europa), o investimento no Europeu de futebol em 2004 que implicou o
endividamento por décadas de algumas Câmaras Municipais (a câmara municipal de
Braga é exemplo disso). Muitos destes investimentos, que atualmente não
representam nenhuma mais-valia, são um fardo para os respectivos municípios
(ex: estádio municipal de Aveiro, estádio municipal do Algarve, estádio de
Leiria), representando despesas elevadas e não trazendo nenhum retorno.
Esta
falta de coragem demonstrada pelos Governos aliou-se muitas vezes a decisões
tomadas com o intuito de agradar ao eleitorado e conquistar votos nas eleições.
Quem não se recorda da subida do I.V.A. levada a cabo pelo Governo de José
Sócrates para equilibrar as contas públicas, decisão invertida no ano seguinte
com uma descida novamente do I.V.A., coincidente com o ano anterior às eleições
legislativas.
E
assim, com este conjunto de decisões tomadas ao longo de décadas ou a falta
delas em muitas áreas, chegamos a um ponto em que pela terceira vez desde que
saímos das garras da ditadura e nos tornámos uma Democracia tivemos de recorrer
aos nossos parceiros internacionais devido à impossibilidade de nos
financiarmos nos mercados financeiros.
Este
fardo foi herdado por este Governo que tem aplicado um conjunto de reformas
estruturais, há muito, postas na gaveta. Estas reformas, em muitas áreas,
implicam cortes que muitas vezes os cidadãos não compreendem. É precisamente
neste contexto, na minha opinião, que se torna de essencial importância a
transparência e rigor por parte do Executivo.
Se
o Governo tem a capacidade e a coragem de retirar subsídios a funcionários
públicos, a pensionistas e a trabalhadores do setor privado, se tem a coragem
de cortar despesa em áreas como a Saúde, a Educação (por exemplo), também deve
ter a coragem de atacar interesses instalados em várias áreas da Economia, como
sejam a energia, as parcerias público-privadas rodoviárias, o sector dos
combustíveis, para apenas referir alguns. O cidadão tem de perceber e
principalmente sentir que os sacrifícios a que está sujeito têm uma razão de
ser, são feitos com o objetivo de um país melhor e mais sustentável e sobretudo
que esses sacrifícios se aplicam a todos os quadrantes da Sociedade,
independentemente do estatuto, interesse e poder dos visados.
É
precisamente nesta perceção, por parte do cidadão, que entronca este artigo.
Como é que é possível que depois de todas as reformas que foram tomadas até
agora, atingindo maioritariamente o cidadão comum, por um Governo que antes do
ato eleitoral se proclamava contra o despesismo, que iria atacar as gorduras do
Estado surjam notícias de uma situação que foi criticada quando este Governo
ainda era oposição? O Tribunal de Contas escreve: “Não existe evidência de que
as despesas de funcionamento dos gabinetes dos membros do Governo tenham
diminuído”; “a inexistência de um teto máximo para a despesa dos gabinetes e a
manutenção da sua opacidade revelam que persistem anomalias, situação que deve
ser ultrapassada em nome do rigor e da transparência orçamental”.
A
situação atual, segundo o Tribunal de Contas, melhorou quando comparada com o
anterior Executivo. Contudo, persiste um conjunto de situações que convém
retificar em nome da transparência e da moralidade com que se tomam decisões em Portugal. O atual
Governo riposta contra o parecer do Tribunal de Contas afirmando que a situação
é melhor que no passado. Até pode ter razão, mas o fato de ser melhor que no
passado não significa que não existam muitas coisas a corrigir. Como diz o
ditado: “ à mulher de César não basta ser, é preciso parecer” e o Governo neste
aspeto tem muito a parecer!
Nuno Garrido
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