Há anos que a questão das propinas tem vindo a desencadear
fortes protestos e atitudes ambíguas de algumas associações e universidades. Várias
estruturas do movimento associativo estudantil, que representam mais de cem mil
estudantes, exigiram este ano o fim da existência de propinas, num
documento conjunto assinado durante um Encontro Nacional de Direções
Associativas. Tinham como objetivo a impulsão de uma reforma no sentido da
gratuitidade progressiva do ensino superior, conforme previsto no artigo 74.º
da Constituição da República Portuguesa.
O ensino superior é um bem público e, como tal, deve ser
fornecido gratuitamente. De qualquer modo, é fácil entender que, na prática,
bem público não significa gratuidade. Pagamos a saúde, o outro grande bem
público comparável à educação, tanto como taxas moderadoras nos atos médicos
como na percentagem que fica fora das comparticipações nos medicamentos.
Ainda assim, mais do que o valor das propinas e o seu caráter
mais ou menos simbólico, devem-se invocar importantes aspetos éticos. A meu
ver, já não está em causa o seu pagamento, em si, mas o peso que elas devem
ter, por um lado, no financiamento das universidades e, por outro, na economia
das famílias. O primeiro aspeto tem a ver com as dificuldades de financiamento
pelo Estado e provavelmente tenderá a agravar-se. O segundo é mais complicado.
Pôr de parte uma fração, muitas vezes considerável, do orçamento familiar pode
ser uma tarefa muito complicada, principalmente quando acumulado com outras despesas,
como alimentação e alojamento, tendo em conta que temos dos mais baixos
rendimentos médios da Europa.
São milhares os jovens que não equacionam a entrada da
universidade pela incapacidade de dispensar mais de mil euros anuais. Face ao
desinvestimento no setor registado no passado recente, a propina converteu-se
num mecanismo discriminatório no acesso e sucesso académico, em função da
condição económica de cada estudante.
Atentando ao âmbito da ação social escolar e sendo que as bolsas
são atribuídas com base na declaração fiscal de rendimentos, colocam-se os conhecidos
problemas de distorção e injustiça em virtude dos vícios do sistema de IRS, a
que acresce o constante atraso na atribuição e transferência das prestações. Uma
proposta que eu poria em cima da mesa consistiria na criação de contas poupança
educação, à semelhança do que acontece nos EUA, com uma comparticipação do
Estado e com juros bonificados obrigatoriamente capitalizados. Outra hipótese,
como praticado na Inglaterra, é a de empréstimos a pagar posteriormente com uma
taxa na vida ativa. Assim, o pagamento futuro, dependente dos rendimentos,
seria uma partilha de riscos entre o diplomado e o Estado.
Do meu ponto de vista, o aumento da qualificação geral do
trabalho e do número de diplomados com grau superior é de interesse nacional,
como fator de enriquecimento e de aumento de competitividade da economia. Desta
forma, é possível a construção de uma sociedade democrática inclusiva e o desenvolvimento
da cultura nacional. Não devemos cortar as asas a quem tem força para levar
este plano em frente.
Pelo exposto, conclui-se que, a manter-se a atual política de
propinas, estamos perante um problema de sustentabilidade do próprio sistema de ensino
superior como fator de combate à desigualdade. Urgem medidas atenuantes que permitam limitar a pressão sobre os
estudantes e as suas famílias, garantindo a sua permanência no sistema, e que
evitem a progressiva mercantilização do ensino superior.
Daniela Marcelo
Referências:
http://www.esquerda.net/opiniao/propinas-para-que-vos-quero/46071
- (21 de Dezembro de 2016)
[artigo
de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e
Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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