sábado, 8 de janeiro de 2022

Digitalização: entrave ao emprego e à economia?

A expansão da digitalização tem sido um fenómeno crescente ao longo do tempo e reforçou-se com a COVID-19. Todavia, as influências do crescimento digital na economia não são consensuais entre os autores - alguns, indicam que, aliado ao desenvolvimento tecnológico, criam-se maiores desigualdades. Será, então, a digitalização um entrave para a dinamização da economia?

A impossibilidade de negação de que o analfabetismo e a exclusão digital diminuem o leque de oportunidades, seja para encontrar trabalho, como para aceder ao conhecimento e adquirir novas competências, reside no facto de que “A tecnologia deixou de ser uma comodidade e passou a ser uma necessidade”, conforme o diretor executivo da Paradigm Iniciative. Ainda assim, os portugueses estão sujeitos a este tipo de desigualdade, com um quarto dos portugueses a não usarem internet em casa e com uma taxa de utilização de internet abaixo da média da União Europeia, 71% contra os 84%.  

Outro processo potenciador da desigualdade é a robótica, pois leva a um efeito de substituição do trabalho pouco qualificado por máquinas, com consecutiva polarização do mercado de trabalho, com diminuição da procura de trabalhadores pouco qualificados e aumento dos mais qualificados. Ora, isso traduz-se numa disparidade salarial entre estes dois grupos e na destruição de postos de trabalho - o Fórum Económico Mundial aponta para a eliminação de 85 milhões de empregos até 2025. Este desajustamento poderá levar a divisões sociais que afetem o crescimento, a produtividade, o crescimento e a coesão social.

Contrariamente ao que se diz no parágrafo acima, a maioria dos países da OCDE viram as suas taxas de emprego aumentar com o deslocamento da mão-de-obra, resultado da globalização e do progresso tecnológico. Isso acontece, possivelmente, porque as tecnologias provocam uma espécie de “transferência/compensação” de umas indústrias para/por outras, com crescimento da procura e emprego noutras indústrias. Um trabalho recente de Moretti mostra que a criação de empregos no setor das TIC tem um efeito multiplicador em outras indústrias - por cada emprego adicional no setor tecnológico, cinco empregos adicionais são criados na comunidade. 

Ao mesmo tempo que existe “desemprego tecnológico”, originou-se uma procura adicional de bens e serviços, o que levou à criação de mais empregos e, consequente, à potenciação da produtividade e do rendimento. Consoante a OCDE no Employment Outlook 2019, as mudanças líquidas no emprego causadas pela digitalização têm sido positivas a longo-prazo, sendo que, entre 2005 e 2016, 40% dos empregos criados foram em indústrias digitalmente intensivas.  

Embora, no passado, a expansão tecnológica tenha revelado um efeito líquido positivo no emprego, e, consequentemente, na economia, muitos autores apontam para uma mudança atual muito mais rápida e ampla do que no passado e para uma automação, por vezes excessiva, potencialmente geradora de externalidades negativas para a sociedade. Portanto, é preciso que os governos e instituições estejam atentas a esta dinâmica para que se evitem cenários mais pessimistas. Contudo, a OCDE constatou a existência de várias lacunas nos sistemas dos países que dificultam o enfrentar dos efeitos da automação e da digitalização e, à vista disso, propõe revisões nos mercados de trabalho e educacional, e nos sistemas de proteção social.

Refletindo sobre tudo isto, considero que a digitalização tem sido um processo benéfico e contínuo ao longo do tempo, uma vez que, até ao momento, os benefícios têm superado os malefícios. Adicionalmente, consoante o Banco Europeu de Investimento, são várias as vantagens da transformação digital para qualquer economia: maior produtividade; crescimento; eficiência energética; capacidade para investir e exportar bens e serviços. Também tem permitido encontrar soluções mais eficazes para problemas e economizar custos em matérias-primas e componentes.

Em suma, é imprescindível uma resposta adequada e consistente das organizações e governos à situação atual, para que se evitem efeitos negativos para a economia. “Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre” (Charles Chaplin) porque, mesmo apresentando-se a digitalização como “amiga da economia” (até ao momento), apressadamente, pode-se tornar “inimiga” e destrutiva.

 

Adriana Carmo

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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