terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Será possível quantificar o valor da nossa privacidade?

O valor da nossa privacidade e da segurança dos nossos dados têm vindo a alimentar um negócio de milhões, que se encontra em constante crescimento. A utilização de navegadores de internet nos dias de hoje é maior cerca de 58% nos smartphones do que nos computadores.

Com base nestes dados, as empresas de smartphones tem a capacidade de aceder a um conjunto de dados pessoais, como por exemplo impressões digitais, identificação facial, entre outros, e desta forma podem utilizá-los para diversos fins, seja para vender ou para desenvolver novos mecanismos com base nas nossas tendências. A mais recente introdução do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), para além de consciencializar os utilizadores para a importância dos seus dados, também implementou um maior rigor no tratamento e proteção dos dados pessoais.

Num dos livros de Julia Angwin, a autora explica como é que os nossos dados são recolhidos e qual é a sua importância para a economia de muitas empresas que trabalham com grandes volumes de dados. Enquanto consumidores, é-nos oferecido algo em troca dos nossos dados, um pequeno brinde, por exemplo, acesso a um conteúdo, ou a utilização completa de um serviço.

O valor dos nossos dados está diretamente comprometido pelos sistemas de informação desenvolvidos e algoritmos de big data, que têm vindo a evoluir e torna-se mais comum criar perfis de utilizadores, e até mesmo prever alguns dos comportamentos dos clientes utilizando apenas dados casuais e aleatórios. Uma das principais empresas na área de marketing inteligente, a International Data Corporation (IDC), prevê que o negócio de dados a nível mundial possa passar de 130 mil milhões de euros, em 2016, para 200 mil milhões de euros, em 2020.

Um dos termos mais extremistas relacionado com a manipulação de dados, um termo inventado por um escritor do New York Times, David Brooks, designa-se de dataismo. Na sua visão, o dataismo representa algo fortemente negativo associado à evolução tecnológica, onde o ser humano é desumanizado, e passa a ser visto como um agente económico, julgado pelas suas opções, pelas suas escolhas e pelas suas opiniões, em que estas devem ir sempre de encontro ao lucro e à eficiência.

Por outro lado, Rothblatt apresenta uma visão bem mais otimista, o transumanismo, em que a natureza humana poderá prevalecer para além da morte física apenas se formos capazes de preservar a essência do nosso intelecto e dos nossos sentimentos.

Entre estas duas visões, uma bastante pessimista e outra um pouco mais otimista, com o avançar das tecnologias, estas ideias começam  a ter um maior impacte na nossa sociedade e, eventualmente, vão surgir até ideias mais complexas. Nos dias que correm, o direito à privacidade é fundamental e, na minha opinião, deveria haver um cuidado acrescido no que toca às leis e normas estabelecidas para o mundo digital. A nossa informação pessoal tem um poder abismal nas mãos das pessoas (empresas) erradas, podendo despoletar manipulações sociais, económicas e políticas, como já tem vindo a acontecer nos últimos tempos.

No meu ponto de vista, apesar de todos os benefícios associados à análise de dados, como, por exemplo, benefícios comerciais, técnicas na área da investigação científica e medicina e evolução de serviços prestados por muitas organizações, também existe um lado não tão bom, que pode ter um impacte muito negativo na sociedade a nível mundial. Há dias, vi um documentário relacionado com este tema, e lembro-me de uma frase que me marcou e sobre a qual tenho andado a refletir, que é: “Se não está a pagar o produto é porque você é o produto”. 

A médio prazo, a maior adversidade da proteção de dados e privacidade de dados não está diretamente relacionada com o custo que lhe é atribuído. A ameaça iminente é a de o ser humano interiorizar que deve aceitar esta vigilância constante das suas escolhas e dos seus comportamentos, e começar a autocensurar os seus pensamentos, e a perder a sua liberdade individual e a sua identidade.

 

João Davide Figueiredo Martins

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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