segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O mínimo dos mínimos

A partir do dia 1 de Outubro o salário mínimo nacional fixar-se-á nos 505 euros mensais. Este aumento dos encargos das empresas será compensado por uma redução dos seus descontos para a Segurança Social, através da diminuição da Taxa Social Única (TSU) de 23,75% para 23%. No entanto, esta é uma medida temporária que estará dependente da evolução da produtividade do país neste período. Mas será este um valor justo e comparável com os restantes países da União Europeia? 
Não se pode considerar que este seja um salário digno comparativamente com outros países da União Europeia, nomeadamente da Europa Ocidental, como o Luxemburgo (1.921,03€), a França (1.445,38€) ou até a nossa vizinha Espanha (752,85€). No entanto, este pequeno aumento do salário mínimo poderá aumentar o poder de compra dos trabalhadores em questão, o consumo e a procura interna, levando a um estímulo na economia. Por outro lado, as empresas poderão ficar mais reticentes em contratar novos trabalhadores ou até mesmo despedirem os atuais, uma vez que as suas despesas com remunerações aumentarão, o que poderá impedir a diminuição da taxa de desemprego. 
Assim, uma das condições para que o salário mínimo volte a aumentar em Janeiro de 2016 é o crescimento da produtividade do país. São várias as medidas que podem ser tomadas para atingir este objetivo. Uma delas passa pelo investimento em tecnologia e processos de produção modernizados, que permitirão obter produtos de forma mais rápida e eficaz. No entanto, é também necessário investir na formação e qualificação dos trabalhadores. Outra medida passa por localizar as falhas e repensar estratégias e métodos de trabalho que permitam aumentar a motivação e consequentemente a produtividade. Caso contrário as empresas com menor produtividade poderão ter que abandonar o mercado. 
Outra condição para Portugal poder elevar o seu salário mínimo para níveis mais aceitáveis passará por aumentar a sua competitividade através do melhoramento do contexto institucional e da sofisticação das práticas de gestão das organizações. Adicionalmente, economias mais competitivas estão também associadas a um maior padrão e qualidade de vida ao nível da saúde, educação, lazer, segurança e ambiente natural. 
Assim, apesar do aumento do salário mínimo ser uma boa notícia para os trabalhadores que dele dependem, também é sabido, naturalmente, que há eleições no ano que vem. Caso contrário, o cenário poderia ser diferente. Embora o salário mínimo esteja associado, maioritariamente, a trabalhadores menos qualificados e com baixo níveis de escolaridade, não lhes deve ser retirada a possibilidade de viver dignamente e não apenas sobreviver. Como tal, para Portugal se tornar mais competitivo e assim ser possível um novo aumento do salário mínimo em Janeiro de 2016 o Estado deve apoiar as empresas, incentivar o investimento em tecnologia e inovação, reforçar as políticas de suporte à  investigação e desenvolvimento, e promover uma escolaridade acessível a todos. 

Ana Raquel Silva

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

Calçado Português: “A indústria mais ´sexy` da Europa”

Desde a entrada de Portugal na CEE que poucos acreditavam que uma indústria antiquada, situada em zonas pouco atrativas e gerida por empresários com a quarta classe fosse capaz de sobreviver aos desafios da modernização. Hoje, o calçado português está no auge da técnica, consegue produzir moda high-quality, disputa com a Itália a liderança dos preços mundiais e exporta 71 milhões de pares de sapatos por ano. A indústria do calçado é, sem duvida, uma história feliz e de sucesso na economia portuguesa do último meio século.
Há 15 anos ninguém teria a coragem de dizer que o calçado português é a "indústria mais sexy da Europa". Hoje, porém, a associação dos industriais do calçado apresenta-se com esse slogan nas revistas de moda de Paris, Londres ou nas grandes feiras internacionais, sem que alguém manifeste desprezo.  
No período de uma geração, os "sapateiros" portugueses ocuparam o segundo lugar do ranking do prestígio mundial: inovaram nas técnicas e nos materiais, lideram empresas que estão na vanguarda da tecnologia e criaram marcas e tendências capazes de atrair clientes por todo mundo.
Com isto, foram capazes de, a partir de exportações, render ao país 1600 milhões de euros no ano de 2012, e registando, em 2013, um novo máximo histórico de exportações, superando os 1700 milhões de euros. 
É de realçar que estudos sobre o futuro do setor revelaram que esta indústria era considerada uma “indústria péssima” e poucos confiavam num futuro bem sucedido. Contudo, a abertura dos mercados da EFTA e da CEE, após o acordo comercial negociado com Portugal, em 1972, fez aumentar a procura externa. As fábricas, como a da Felmini, nasciam no meio das aldeias ou vilas, especializavam-se, dispunham de mão-de-obra abundante e barata e atraíam um número crescente de marcas estrangeiras que lhes encomendavam a produção das suas linhas. Entre 1972 e 1981, as exportações cresceram 251%. Em 1983, trabalhavam 30 mil portugueses no calçado e exportavam-se 16 milhões de pares de sapatos por ano (cerca de 20% do que se exporta atualmente).
Os empresários foram entendendo a necessidade da modernização, e desde a primeira década da integração europeia começaram a aproveitar-se os fundos europeus para a indústria para a modernização das máquinas antigas (e apostar em novas).
Assim, enquanto uma parte da indústria e a maioria do país apoderou-se do crédito fácil e do mercado interno protegido, os “sapateiros” aprenderam rapidamente o significado de concorrência internacional e o valor da competitividade. E, mesmo sabendo que o modelo de negócio português estava comprometido pela máquina de produzir barato em que a China se estava a transformar (22,7 euros por par de sapatos é quanto custa em média um par de sapatos portugueses no exterior - o segundo preço mais alto do mundo, logo depois da Itália -, enquanto que os chineses não conseguem vender acima dos três euros por par), foi possível, através do investimento em inovação, e pelo destaque do design e criatividade, dar um grande passo para competir com a concorrência asiática. Criaram-se marcas próprias, como a Lemon Jelly e a Gino B, que conquistaram novos segmentos de mercado com produtos diferenciados.
O calçado português afirma-se também nos mercados internacionais pela excelência e pelo luxo e, neste caso, é inevitável falar da Carlos Santos. Esta é uma marca que tem conquistado os mercados internacionais com a sua mais-valia assente na qualidade, tradição, design, e contemporaneidade “Made in Portugal”.
Concluindo, a estratégia de modernização executada pelo setor nos últimos anos faz desta indústria um exemplo entre os setores com elevada incorporação de tecnologia e design, que soube internacionalizar-se e conquistar um público fiel em vários países. Hoje, o sucesso desta indústria serve de lição ao país.
Os industriais olham a concorrência com naturalidade; não têm medo. Os que resistiram ao impacto das últimas décadas arriscaram, acreditaram e foram cada vez mais bem sucedidos. Como diz Carlos Santos, "porque é que, havendo quatro ou cinco marcas de calçado famosas no mundo, uma não havemos de ser nós? Temos de lutar por esse sonho".

Susana Costa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

Turismo como meio de recuperação económica

O turismo é um sector que muito contribui para o bem-estar económico do país. Para além do seu impacto na Balança de Pagamentos, no Produto Interno Bruto (PIB) e do seu papel na criação de emprego, investimento e rendimento, é-lhe também reconhecida a função de “motor” de desenvolvimento de outras actividades económicas. A expansão do turismo tem a sua origem na Revolução Industrial e está relacionada com três factores: o aumento dos tempos livres; o progresso e desenvolvimento dos meios de transporte; e a melhoria do nível de vida, principalmente nos países mais desenvolvidos. 

A partir do início do século XX o turismo é considerado como uma actividade economicamente relevante. A actividade turística assume na sociedade contemporânea uma importância económica fundamental. Tanto a nível local ou regional, como à escala nacional e, mesmo, mundial, o turismo desempenha um importante papel enquanto gerador de riqueza e enquanto fenómeno capaz de contribuir para o desenvolvimento de economias deprimidas, nomeadamente, através do aproveitamento de recursos endógenos. 

É no início da década de 60, quando o fenómeno turístico apresenta um crescimento intenso a nível mundial que, em Portugal, se começa a criar um ambiente de interesse por este sector, tornando-se um sector estratégico. Desde então, Portugal centrou essencialmente a actividade turística num único produto: o produto tradicional “Sol e Mar”, mais conhecido pelo turismo dos 3 “S”. 

A competitividade com outros países, como a Espanha, Turquia, Marrocos, Croácia, entre outros, que oferecem o mesmo tipo de produto, alertaram-nos para a necessidade de diversificação da oferta. Para tal, tem-se procurado diversificar a oferta de produtos no sentido de, por um lado, combater a extrema dependência do turismo de “Sol e Mar” e, por outro, harmonizar o aproveitamento do espaço territorial português atendendo não só aos valores pessoais dos turistas, mas também ao fortalecimento da cultura e preservação do património. O “Plano Estratégico Nacional de Turismo” 2013-2015 (PENT) é disso exemplo, sendo o seu principal objectivo caracterizar o turismo em Portugal no que se refere à sua importância económica, principais países emissores, procura turística de novos mercados, sazonalidade, produtos turísticos e perspectivas.

Um dos primeiros eixos do PENT pretende precisamente o desenvolvimento de novos pólos de atracção turística, tais como: Açores, Douro, Litoral Alentejano, Porto Santo e Serra da Estrela. Para isso, selecciononaram-se os produtos que estas regiões podem oferecer: “Gastronomia e Vinhos”, “Touring Cultural e Paisagístico”, “Saúde e Bem-Estar”, “Turismo de Natureza”, “Turismo de Negócios”, “Turismo Residencial”, “City/Short breaks”, “Golfe”, “Turismo Náutico” e ainda o produto “Sol e Mar”. A oferta de novos produtos permite ainda atenuar outra característica do turismo: a sazonalidade. 

Resultado dessa evolução na oferta do sector turístico em Portugal foi o seu reconhecimento nos World Travel Awards 2014, também conhecidos como "Óscares do Turismo", no qual Portugal venceu na categoria de melhor organismo oficial de turismo europeu.  

Actualmente, verifica-se então uma grande aposta no turismo por parte do Governo e dos empresários do sector. O turismo é certamente a área de desenvolvimento económico em que Portugal revela maior potencial. Portugal tem mais de 11 milhões de visitantes por ano. O turismo representa acima de 10% do PIB, podendo atingir cerca de 15% na próxima década. Significa, aproximadamente, meio milhão de postos de trabalho, directos ou indirectos.

O turismo está a viver um bom momento. Tal como afirmou o Ministro da Economia, António Pires de Lima: «O turismo tem sido o campeão da recuperação económica, com o crescimento deste sector a registar valores superiores a 11% no primeiro semestre do ano». As receitas estão a aumentar. Existe capacidade instalada de boa qualidade em termos de infra-estruturas e de recursos humanos. A aposta no turismo como meio de recuperação económica vai continuar contribuindo para o PIB, para a exportação de bens e serviços e para a criação de emprego, sabendo-se porém que há ainda muito para ser feito. 

Ana Clara Pereira

Referências:
Público
Expresso
Plano Estratégico Nacional do Turismo PENT (Horizonte 2013-2015)
[...], Polytechnical Studies Review, 2010, Vol. VIII, nº 14, pp. 255-276

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Alemanha: motor ou travão da Europa?

Será que a Alemanha, a quinta maior economia do Mundo (considerando a paridade de poder de compra, PPP) e a maior da Zona Euro, está a travar a recuperação económica da Europa? 

A Alemanha é, atualmente, o terceiro maior exportador do Mundo, tendo perdido o primeiro lugar em 2009 para a China e o segundo em 2010 para os Estados Unidos, sendo reconhecido como um dos principais exportadores de alta tecnologia do mundo (maquinaria, automóveis e equipamento eletrónico são os produtos mais exportados). As exportações geram 1/3 do output nacional e a sua economia beneficia de uma força de trabalho qualificada, infraestruturas de qualidade e elevado stock de capital.

Nos últimos anos, verificou-se uma descida da taxa de desemprego Alemã, estando nos 4.9% hoje em dia, ao contrário do que aconteceu em grande parte dos países Europeus, onde se verificaram valores excessivos de desemprego, nomeadamente nos países periféricos, como por exemplo Portugal, onde os valores chegaram a 17,5%, em Espanha (26,95%) e na Grécia (27,9%). Estes resultados advêm da crise mas também da austeridade imposta, tendo esta última como principal impulsionadora e grande defensora a chanceler alemã, Angela Merkel. A chanceler acredita que esta é a maneira de salvar a Europa, no entanto, se a zona euro permitisse uma flexibilização das metas do défice para os 3% em 2015, contrariando os 2,3% previstos, a economia teria um ganho entre 0,6% e 1,2% do PIB. Estamos a falar de um acréscimo entre 60 e 120 mil milhões de euros na economia em termos nominais, que ajudariam a pressionar a subida de preços e a diminuir o desemprego. 

A Alemanha, que em 2015 deverá ter défice próximo de zero, segundo a Comissão Europeia, é o país com maior margem para puxar pela economia e deixar aumentar os défices, podendo apenas um ponto percentual a mais de défice germânico representar um acréscimo de 26 mil milhões a 48 mil milhões de euros na zona euro. Mesmo assim, Berlim ainda se manteria distante do limiar de 3 % de Maastricht.

Detendo a Alemanha condições para relançar o crescimento, vem-se discutindo um aumento salarial para incentivar o consumo interno e, assim, aumentar as importações de forma a melhorar a situação económica da Europa, beneficiando e dinamizando as trocas intracomunitárias e criando um efeito amplificador noutros países com a mesma margem, como por exemplo a Holanda. Mas esta medida não vai de encontro às políticas defendidas pelo Governo de Merkel, pois este sempre defendeu uma política de salários baixos, de forma a permitir ao país maior competitividade. 

O medo da Alemanha da inflação está presente desde o período pós I Guerra Mundial, altura em que esta viveu uma hiperinflação que aterrorizou a população e cujo trauma ainda hoje é evidenciado através da política económica Alemã. Entre Janeiro de 1919 e Dezembro de 1923, os preços na Alemanha aumentaram 481,5 biliões de vezes, chegando no fim de 1923 um pão de 50g a custar 21 mil milhões de marcos e um jornal 200 mil milhões. 

A política alemã de não gastar mais do que se recebe, não possuir créditos e de poupança, está enraizada na população devido ao que viveram após a II Guerra Mundial, época em que não havia dinheiro e as pessoas foram obrigadas a passar necessidades, acabando por transmitir às gerações futuras esta mentalidade de terem recursos aos quais recorrer em caso de necessidade. Embora esta forma de pensar ainda esteja presente, sobretudo nos mais idosos, os jovens já começam a ter perspetivas diferentes e estão mais abertos ao consumo. 

Considerando os factos históricos da Alemanha, pode-se de certa forma compreender a sua política económica, no entanto, sendo esta o principal motor da Europa, seria de esperar que adotasse uma política que, ao invés de travar a recuperação económica, fosse um alicerce para o seu crescimento, pois com uma Europa desmotivada, as exportações Alemãs são afetadas negativamente, e, consequentemente a sua economia, pois estas são suportadas em grande parte pela importação dos restantes países Europeus. Assim, podemos concluir que não interessa à Alemanha um prolongamento da situação económica Europeia, com um crescimento lento e anémico, mas sim a sua recuperação rápida e robusta.

Francisca  Ferreira Braga

Referências:
SILVESTRE, João e RODRIGUES, Jorge N. (2014), “E se houver flexibilização?”, Expresso, 6 de setembro, p. 6
Observatory of economic complexity: http://atlas.media.mit.edu/profile/country/deu/
The Federation of International Trade Associations: 
http://fita.org/countries/germany.html
The World Bank: http://data.worldbank.org/country/germany#cp_surv

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

"As reformas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social"

«Tal como em fronteiras gaulesas de idos séculos, a velhice continua a ser um peso em vez de ser uma dignidade.
 “Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso” (François Chateaubriand, 1768-1848). Sempre que se fala de reformas, sejam elas da Caixa Geral de Aposentações ou da Segurança Social, não se pode divorciar este statu quo das actuais deduções para efeitos de IRS que vieram dar expressão a nuvens que se acastelavam no horizonte de um país em que parte dessa factura viria a recair sobre os reformados, uns tantos, em idade avançada e achacados pela doença que geralmente lhe subjaz.
Reporto-me às deduções em IRS, em vigor até 2011, em que os portugueses puderam deduzir, sem qualquer limite, 30% em despesas de saúde. Nos dias de hoje, os doentes apenas podem deduzir 10% destas despesas até um ridículo valor máximo de 838,44 euros anuais (grosso modo, 167 contos anuais e 14 contos mensais em moeda antiga). Ou seja, em Portugal, a condição de velho e doente crónico com “pesares que os ralam na aridez e na secura da sua desconsolada velhice” (Garrett) passou a ser tida não como uma desgraça, mas como coisa supérflua de quem desfruta férias em luxuosas estâncias balneares.
Em vez de aumentar, na medida do possível, as reformas da Segurança Social, sob o pretexto de uma medida de duvidosa justiça social, pretende o actual Governo aproximar estas reformas com as da Caixa Geral de Depósitos, aumentando aquelas à custa destas no incumprimento de regras previamente estabelecidas para com os aposentados da função pública que contratualizaram com o Estado, na altura pessoa de bem, as respectivas condições.
Acresce que o recente chumbo do Tribunal Constitucional sobre os cortes anunciados para as pensões de aposentação leva à procura de soluções por outros meios. Assim, “o Governo não apresentará mais propostas para uma reforma global das pensões, mas não afasta retomar cortes temporários. A CES poderá estar de volta em 2015. Tribunal Constitucional deixou a porta aberta, dizem constitucionalistas” (Jornal de Negócios, 19/08/2014).
Costuma dizer-se que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Este aforisma não encontra expressão quando se cotejam os maus ventos que varrem este extremo ocidental da Europa com os bons ventos da política governamental espanhola. Assim, aquando da apresentação do Orçamento do Estado 2013, referindo-se aos pensionistas, em declarações à TVE, o primeiro-ministro espanhol fez a seguinte declaração:
“A primeira prioridade é tratar os pensionistas da melhor maneira possível. A minha primeira instrução ao ministro das Finanças é a de que as pessoas que não devem ser prejudicadas são os pensionistas. No Orçamento do Estado deste ano só há dois sectores que sobem: os juros da dívida e as pensões. Não tenho nenhum interesse e se há algo em que não tocarei são as pensões, o pensionista é a pessoa mais indefesa, que tem a situação mais difícil, porque não pode ir procurar outro posto de trabalho aos 75 ou 80 anos, tendo uma situação muito mais difícil.”
Em Portugal, relativamente, menos sacrificados com os cortes de pensão são os aposentados de elevados cargos políticos ou de reformas chorudas. Os outros, “a gentinha”, se para além de reformados sofrerem de doenças crónicas ou outras que façam perigar a própria vida são, por vezes, coagidos, por carência económica, a não poderem comprar todos os medicamentos receitados por médicos. Ou seja, com uma certa dose de cinismo, o doente de fracos cabedais corre perigo de vida com vantagem para a fazenda pública por ser uma pensão a menos a ser paga pelo erário público, justificando, assim, más consciências preocupadas em desanuviar os cofres do Estado com pagamento de reformas e despreocupadas com a administração dolosa de determinado sistema bancário nacional cobrindo os seus prejuízos com aumento de impostos de reformados, ainda que velhos e doentes, em execrável desumanidade social e, até, uma certa estupidez ao não ter em linha de conta essa situação. Reformados que pela sua grande expressão numérica são potencialmente capazes de influenciar drasticamente os resultados eleitorais. Facto só compreendido, tarde e a más horas e em proximidade de eleições, pelo PSD ao procurar um aliado no PS que, inteligentemente, declinou esta espécie de convite envenenado.
Por ter feito referência, no parágrafo anterior, “à administração dolosa de determinado sistema bancário nacional”, exemplifico com três casos: o BPN, “com um prejuízo para o Estado que pode atingir 5,8 milhões de euros” (PÚBLICO, 12/06/2012); o Banco Espírito Santo, com prejuízos ainda não apurados na sua verdadeira dimensão; e o Montepio Geral, “em que o Banco de Portugal tem em curso uma inspecção forense, o que indicia que há fortes suspeitas de ilícitos criminais cometidos no quadro da actividade desenvolvida pela instituição mutualista” ( PÚBLICO, 16/08/2014).
Resumindo e concluindo, tal como em fronteiras gaulesas de idos séculos, no dealbar deste novo milénio, “neste jardim à beira-mar plantado” com cardos de injustiça, a velhice continua a ser um peso em vez de ser uma dignidade. Este, portanto, o panorama social de um país em que a crise europeia serve de álibi para, como sói dizer-se, ser-se forte para com os velhos e doentes e fraco para com os detentores de grandes fortunas em fuga aos impostos por declarações falsas ou “esquecidas” pelos declarantes. Exagero meu? Como escreveu Eça, “exageração era pintar a cobra e depois pôr-lhe quatro pernas!”»
RUI J. BAPTISTAEx-docente do ensino secundário e universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura
(reprodução de artigo de opinião Público online, de 09/09/2014) 
[cortesia de Nuno Soares da Silva]