No
passado mês de novembro assinalou-se o Dia Europeu da Igualdade Salarial entre
homens e mulheres. Tendo em conta os últimos dados do Gabinete de Estratégia e
Planeamento (GEP), cujos cálculos são baseados nas informações fornecidas pelas
empresas, a desigualdade salarial, ainda que timidamente, tem vindo a diminuir,
verificando-se que em 2017 a remuneração mensal base dos homens era de 949,2
euros, comparativamente aos 83,1 euros a menos da remuneração mensal base das
mulheres. Ou seja, evidencia-se uma disparidade salarial média de 14,8%, o que
não deixa de ser uma boa notícia quando nos recordamos dos 18,5% que se
verificavam em 2012.
Mas, engane-se quem apenas vê o lado positivo
da evolução nos números. Numa
perspetiva geral, é certo que as políticas governamentais causaram impactos nas
disparidades salariais, estimulados inicialmente no período de crise, pela
desvalorização ocorrida nos salários dos indivíduos com remunerações mais
elevadas, ou seja, afetando maioritariamente os homens, e, posteriormente, no
período de retoma da economia, pelo aumento gradual do salário mínimo nacional,
afetando os indivíduos cujos salários são mais baixos, ou seja, as mulheres.
Tal reverteu-se num decréscimo da desigualdade salarial, nos últimos 4 anos,
contudo não podemos ignorar que o problema persiste assombrosamente. Acresce
que as diferentes formas de apuramento de dados evidenciam um desacerto de
números que nos fazem questionar a realidade.
Considerando
o indicador utilizado pelo Eurostat, o unadjusted
gender pay gap, que agrega todos os indivíduos que trabalham por conta de
outrem em empresas com 10 ou mais pessoas, avaliando a diferença entre os
valores brutos médios, por hora, ganhos por homens e mulheres, constata-se que,
comparativamente aos parceiros comunitários, Portugal apresenta uma taxa de
desigualdade salarial inferior à média da União Europeia (UE), que se situa nos
16%, quando consideradas as estatísticas do GEP. Já tendo em conta as
estatísticas europeias, Portugal apresenta uma taxa de 16,3%, ligeiramente
acima da UE. As taxas mais
elevadas foram observadas na Estónia (25,6 %), na República Checa (21,1 %), na
Alemanha (21 %), no Reino Unido (21,8 %) e na Áustria (19,9 %). Contudo, é de
destacar que a taxa de desigualdade salarial na UE é elevada, portanto
qualquer comparação entre estados membros implica que sejamos cautelosos.
Interessa então olhar para as
estatísticas com uma atitude crítica, pois só assim entenderemos que todo este
cenário resume um progresso lento que está longe de ser um equilíbrio e que,
mais do que isso, implica que a lei esteja a ser violada. Logo, há uma questão
que, inevitavelmente, se põe: serão os números um retrato completo da realidade
que esta problemática enfrenta? Focando-nos no conceito de unadjusted gender pay gap, facilmente percebemos que este
instrumento exibe lacunas, uma vez que existe um número significativo de
mulheres que não são abrangidas nestes cálculos. Ora, note-se que seria
essencial que o estudo fosse abrangente aos 12% de mulheres que trabalham por
conta própria, ou ainda àquelas que trabalham por conta de outrem em empresas
com menos de 10 trabalhadores, sendo 98,5% do tecido empresarial nacional
constituído por empresas do
setor não financeiro que apresentam menos de 10 trabalhadores, assim como igualmente
essencial seria incluir as mulheres precarizadas e sem vínculo contratual. Como
tal, se os números apresentados, apesar de evolutivos, mostram-se
insuficientes, depois de uma reflexão sobre os mesmos apercebemo-nos de que a
realidade poderá estar desfasada e ser pior do que nos fazem querer.
Importa
agora salientar que um pay gap
reduzido não é estritamente sinónimo de maior igualdade (dados da EIGE). De
facto, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é uma
determinante da “realidade” traduzida pelos números, dado que quanto menor a
sua participação menor será a diferença salarial verificada. Se, por um lado, países
como a Itália apresentam uma taxa de disparidade salarial baixa, tal é em
grande parte justificado pelo facto de uma significativa porção das mulheres
não participar no mercado de trabalho. Por outro lado, países como Portugal
exibem uma taxa de disparidade salarial média/elevada e, simultaneamente, uma
participação da força feminina nas atividades profissionais e uma segregação
profissional elevadas. As mulheres mais qualificadas enfrentam um universo
repleto de homens e, apesar de serem em média mais qualificadas, tal não se reflete no salário auferido e nos cargos que
ocupam. As suas competências não são exploradas em todo o seu potencial, pelo
contrário, esta agrava a desigualdade, o que não deixa de ser paradoxal: uma
mulher investe na sua educação e formação profissional em prol do seu futuro e
sucesso no mercado e acaba restringida pelo “teto e paredes de vidro” que o seu
país lhe impõe. É, então, suposto estimular as mulheres a optarem pelo caminho
mais comum? Formarem-se nas áreas correspondentes aos setores menos valorizados?
Em suma, resta-me apontar que se somente
30% da desigualdade salarial é explicada pelas estatísticas disponíveis, sendo
necessário mapear, de forma abrangente, o trabalho da força de trabalho
feminina nas suas múltiplas dimensões, e que os países da UE reconheçam a
necessidade de estimular as vontades políticas para criar mecanismos de combate
aos fatores culturais mais profundos que impulsionam e intensificam a
permanência de muitos dos desequilíbrios entre géneros. Conhecer a realidade,
ou seja, ter uma visão plena do retrato social assume-se assim um requisito
mínimo fundamental para que seja possível construir políticas ajustadas e aptas
para dar resposta às desigualdades salariais, que se assumem tão determinantes
na autonomia e na vida das mulheres, caso contrário, as políticas não passarão
de uma proclamação bem-intencionada, mas vazia.
Andreia Amorim
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade
curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º
ciclo) da EEG/UMinho]
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