O chumbo do corte das pensões do setor público decidido por unanimidade pelo Tribunal Constitucional (TC), em que se defende que a reforma proposta pelo Governo é “avulsa” e não tem como verdadeiro objetivo a sustentabilidade do sistema de pensões, deixou o Governo sem espaço de manobra para tentar uma correção parcial da medida. A solução deverá passar agora por encontrar uma alternativa à poupança esperada de 388 milhões de euros, possivelmente através de um aumento de impostos.
Assim, os juízes do TC consideraram que a proposta de Lei do Governo que tinha como objectivo a convergência do regime de pensões do setor público com o privado através da redução das pensões recebidas pelos funcionários públicos já reformados violava o princípio da protecção da confiança. O Tribunal considerou, tal como já tinha acontecido em decisões como o chumbo da suspensão dos subsídios, que o interesse público que o Governo diz defender com a medida proposta não é suficientemente forte para justificar a quebra de expetativas provocada com o corte dos rendimentos de atuais pensionistas. E a forma como os juízes, de forma unânime, expuseram a sua argumentação mostra que não será possível ao executivo fazer, como tinha acontecido no caso da mobilidade, simples remendos à sua proposta para que ela passe numa futura análise constitucional.
O problema está, no entanto, no facto de se estar, com a medida proposta, a quebrar as expectativas dos actuais pensionistas com cortes de caráter retroativo, e, principalmente, na incapacidade de o Governo provar ao tribunal que este corte das pensões defendia interesses públicos fundamentais como a sustentabilidade do sistema, a convergência ou a justiça entre gerações. De facto, os juízes dizem não acreditar que o objectivo do Governo com esta medida fosse a sustentabilidade do sistema de pensões público, mas sim a realização de poupanças orçamentais imediatas. “Era uma medida avulsa que visava apenas, digo apenas entre aspas, a consolidação orçamental pelo lado da despesa”, afirmou o presidente do TC.
O tribunal assinala, por exemplo, que a sustentabilidade da Caixa Geral de Aposentações ficou definitivamente comprometida a partir do momento em que todos os novos funcionários públicos passaram a contribuir para o regime geral da Segurança Social. E que, por isso, “o ónus da sua insustentabilidade financeira não pode ser imputado apenas aos seus beneficiários, devendo ser assumido colectivamente como um dos custos associados à convergência dos regimes previdenciais”. E mais, no que diz respeito à justiça entre gerações, o tribunal defende que a “disparidade” encontrada entre o cálculo das pensões do regime da função pública e o geral da Segurança Social não é necessariamente demonstrativa de um benefício na determinação do montante das pensões dos subscritores da CGA, por comparação com os pensionistas do regime geral. Nesse sentido, a pretendida igualação da taxa na formação da pensão não pode ser vista como uma medida estrutural de convergência de pensões, nem tem qualquer efeito de reposição intergeracional ou de equidade dentro do sistema público.
No final, a criação por parte do Governo de uma regra que permitiria a reposição dos valores das pensões quando a economia estivesse a crescer e o orçamento equilibrado – e que ironicamente terá sido introduzida para tentar convencer o TC a passar a medida – acabou por constituir o derradeiro tiro no pé do Executivo. O tribunal conclui que esta característica temporária da medida apenas prova que a sustentabilidade do sistema não era verdadeiramente o objetivo.
O Tribunal não tem dúvidas em dar pistas em relação ao que seria uma reforma do regime de pensões que estivesse em linha com a Constituição: “Uma reforma estrutural”, que fosse implementada de “forma gradual e diferida no tempo”. Estas “exigências” do Tribunal podem até servir como guia para futuras reformas do sistema de pensões, mas limitam fortemente aquilo que o Governo poderá apresentar como alternativas orçamentais já este ano, mais especificamente, para garantir os 388 milhões de euros líquidos (cerca de 0,25% do PIB) de poupança que a medida agora chumbada previa.
Assim, para cumprir as exigências da troika, que pretende alternativas imediatas para tapar o buraco orçamental, o Governo terá de se virar para medidas diferentes. A subida de impostos é, como já assumiu Passos Coelho, uma das opções mais evidente. Por exemplo, uma subida de um ponto de todas as taxas do IVA (a taxa máxima ficaria em 24%) poderia levar a um aumento de receita superior a 500 milhões de euros, mais do que compensando o revés orçamental agora sofrido. Resta saber quando a subida de impostos ou os cortes vão realmente surtir efeito, ou se algum dia o vão, ou quando o pedido de “apertar o cinto” aos portugueses irá cessar. A isso ninguém sabe dar resposta, e enquanto ninguém sabe as famílias continuam a ver os seus orçamentos a serem reduzidos e o poder de compra diminuído.
Susana Freitas
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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