A
corrente literatura económica, tanto teórica como empírica, reconhece
claramente que os mercados de cuidados de saúde apresentam características que
os distinguem dos mercados de outros bens privados. Arrow (1963), num artigo
seminal da Economia da Saúde, constatou que a incerteza e que vários problemas
de informação tornam os mercados de cuidados de saúde distintos da maioria dos
outros mercados. Atualmente, tem-se que os mercados de saúde diferem dos
mercados competitivos teóricos em várias dimensões:
i) O produto é diferenciado (devido, por exemplo, à
localização do prestador do serviço, ou ao estilo de provisão);
ii) A informação de que os consumidores/pacientes dispõem é
imperfeita;
iii) Os preços são, normalmente, regulados;
iV) Muitas empresas têm restrições nos lucros e na sua
aplicação; e
v) Apesar de os prestadores de cuidados médicos poderem
induzir procura, considera-se que, até certa medida, apresentam preferências
altruístas; i.e., a utilidade dos consumidores é introduzida na sua função
objetivo.
Assim, parece ser
razoável esperar que as previsões teóricas que se aplicam aos mercados de
outros bens não se apliquem aos mercados de saúde.
Contudo, estas
preocupações não têm tido um impacto decisivo na condução da política
económica. Nas duas últimas décadas, registou-se, a nível internacional, uma
tendência no sentido de encorajar um maior grau de concorrência, introduzindo
reformas de liberalização dos mercados, particularmente em países nos quais os
cuidados de saúde são maioritariamente fornecidos e financiados pelo sector
público.
Aqueles que apoiam a
competição nos mercados de saúde socorrem-se do seguinte argumento económico: a
pressão competitiva torna as empresas mais eficientes; estas diminuem os seus
custos e melhoram a qualidade dos bens e serviços que produzem no sentido de
atrair consumidores. Esta lógica é, então, transferida para os mercados de
saúde. Por exemplo, dar aos pacientes a possibilidade de escolher entre
prestadores de serviços cria pressão competitiva e, analogamente aos mercados
de bens privados, os prestadores tornar-se-ão mais eficientes e aumentarão a
qualidade.
A Europa dos últimos
20 anos é um exemplo paradigmático da aplicação deste pensamento. No Reino
Unido e em Portugal, os hospitais recebem uma tarifa por cada paciente tratado,
de acordo com os Grupos de Diagnóstico
Homogéneo; os pacientes podem escolher livremente entre hospitais e o
tratamento é – pelo menos, parcialmente – gratuito. Esta política é conhecida
como pagamento por resultados e a
ideia adjacente é que os hospitais competirão com base na qualidade para atrair
pacientes, sendo recompensados financeiramente por
isso.
A Noruega introduziu
o financiamento baseado na atividade em 1997 e a livre escolha do paciente a
nível nacional em 2001; ambas as reformas se destinaram a estimular a
concorrência e a reduzir os tempos de espera. Na Dinamarca, os pacientes têm
livre escolha de tratamento em qualquer hospital público da sua área de
residência, desde 1993. Na Suécia, desde 2002, todos os municípios introduziram
a livre escolha entre prestadores públicos, a nível intra e intermunicipal.
O facto de, nestes
mercados, a teoria económica padrão não fornecer uma forte orientação sobre se
a competição pode proporcionar resultados benéficos coloca esta linha de raciocínio
sob escrutínio. O caso da qualidade é particularmente relevante. Estudos
empíricos – como os de Gowrinsankasan e Town (2003), de Shen (2003), de Shortell
e Hughes (1988) e de Mukamel et al.
(2001) – têm levantado preocupações no que diz respeito à possibilidade de a
concorrência conduzir ao nível de qualidade socialmente ótimo.
É, contudo,
importante salientar que, mesmo que as medidas de política económica que visam
aumentar a concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde não tenham o
resultado esperado, isso não significa automaticamente que não devam ser
implementadas. No entanto, a sua aplicação requer uma análise de bem-estar de
longo alcance.
Maria
Luísa Araújo Alves
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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