domingo, 1 de dezembro de 2013

TEORIA ECONÓMICA E SISTEMAS DE SAÚDE NA EUROPA

A corrente literatura económica, tanto teórica como empírica, reconhece claramente que os mercados de cuidados de saúde apresentam características que os distinguem dos mercados de outros bens privados. Arrow (1963), num artigo seminal da Economia da Saúde, constatou que a incerteza e que vários problemas de informação tornam os mercados de cuidados de saúde distintos da maioria dos outros mercados. Atualmente, tem-se que os mercados de saúde diferem dos mercados competitivos teóricos em várias dimensões:
i) O produto é diferenciado (devido, por exemplo, à localização do prestador do serviço, ou ao estilo de provisão);
ii) A informação de que os consumidores/pacientes dispõem é imperfeita;
iii) Os preços são, normalmente, regulados;
iV) Muitas empresas têm restrições nos lucros e na sua aplicação; e
v) Apesar de os prestadores de cuidados médicos poderem induzir procura, considera-se que, até certa medida, apresentam preferências altruístas; i.e., a utilidade dos consumidores é introduzida na sua função objetivo.
Assim, parece ser razoável esperar que as previsões teóricas que se aplicam aos mercados de outros bens não se apliquem aos mercados de saúde.
Contudo, estas preocupações não têm tido um impacto decisivo na condução da política económica. Nas duas últimas décadas, registou-se, a nível internacional, uma tendência no sentido de encorajar um maior grau de concorrência, introduzindo reformas de liberalização dos mercados, particularmente em países nos quais os cuidados de saúde são maioritariamente fornecidos e financiados pelo sector público.
Aqueles que apoiam a competição nos mercados de saúde socorrem-se do seguinte argumento económico: a pressão competitiva torna as empresas mais eficientes; estas diminuem os seus custos e melhoram a qualidade dos bens e serviços que produzem no sentido de atrair consumidores. Esta lógica é, então, transferida para os mercados de saúde. Por exemplo, dar aos pacientes a possibilidade de escolher entre prestadores de serviços cria pressão competitiva e, analogamente aos mercados de bens privados, os prestadores tornar-se-ão mais eficientes e aumentarão a qualidade.
A Europa dos últimos 20 anos é um exemplo paradigmático da aplicação deste pensamento. No Reino Unido e em Portugal, os hospitais recebem uma tarifa por cada paciente tratado, de acordo com os Grupos de Diagnóstico Homogéneo; os pacientes podem escolher livremente entre hospitais e o tratamento é – pelo menos, parcialmente – gratuito. Esta política é conhecida como pagamento por resultados e a ideia adjacente é que os hospitais competirão com base na qualidade para atrair pacientes, sendo recompensados ​​financeiramente por isso.
A Noruega introduziu o financiamento baseado na atividade em 1997 e a livre escolha do paciente a nível nacional em 2001; ambas as reformas se destinaram a estimular a concorrência e a reduzir os tempos de espera. Na Dinamarca, os pacientes têm livre escolha de tratamento em qualquer hospital público da sua área de residência, desde 1993. Na Suécia, desde 2002, todos os municípios introduziram a livre escolha entre prestadores públicos, a nível intra e intermunicipal.
O facto de, nestes mercados, a teoria económica padrão não fornecer uma forte orientação sobre se a competição pode proporcionar resultados benéficos coloca esta linha de raciocínio sob escrutínio. O caso da qualidade é particularmente relevante. Estudos empíricos – como os de Gowrinsankasan e Town (2003), de Shen (2003), de Shortell e Hughes (1988) e de Mukamel et al. (2001) – têm levantado preocupações no que diz respeito à possibilidade de a concorrência conduzir ao nível de qualidade socialmente ótimo.
É, contudo, importante salientar que, mesmo que as medidas de política económica que visam aumentar a concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde não tenham o resultado esperado, isso não significa automaticamente que não devam ser implementadas. No entanto, a sua aplicação requer uma análise de bem-estar de longo alcance.

Maria Luísa Araújo Alves

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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