Naquele que é um período histórico
marcantemente capitalista, um sistema que move na sua maioria as atividades
quotidianas da sociedade, não valerá a pena recordar e refletir sobre as
palavras de Karl Marx? Marx via o capitalismo como um sistema completamente
instável, afirmando: “Sem sombra de
dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que
possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas
investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites“. Mas, não estaremos mesmo a assistir a
uma concretização das suas palavras?
Entre
2002 e 2013, decorreu o processo “cartel da banca”, que investigava a troca de
informações confidenciais sobre práticas comerciais internas no crédito à
habitação, consumo e a empresas. No âmbito deste processo, a 9 de setembro,
chega-nos finalmente um comunicado da Autoridade da Concorrência (AdC) que
condena 14 bancos que operam em Portugal por cartelização, num valor total e
surpreendente de 225 milhões de euros, devido a "prática concertada de troca de informação comercial sensível,
durante um período de mais de dez anos”. A CGD foi alvo da maior multa (82
milhões de euros), seguida do BCP (60 milhões), Santander Totta (35,6 milhões),
BPI (30 milhões) e Banco Montepio (13 milhões). Ora, não se trata de uma mera acusação, trata-se de
voltarmos à afirmação proferida por Marx, acima referida, e refletir. Um século
depois, as suas ideias voltam para o debate da economia. Embora muitas delas
obsoletas, outras não podem deixar de nos surgir ao espírito crítico. O
capitalismo tem vindo a evoluir, mas em certos casos para pior, arruinado pelos
próprios capitalistas.
Segundo
Margarida Matos Rosa, presidente da AdC, as instituições bancárias trocavam
entre si não só informação sobre a amplitude do spread que futuramente seria aplicado assim como sobre todas as
condições da oferta, sendo que estas eram previamente determinadas e não podiam
ser do conhecimento dos concorrentes, pois tal constituía uma violação às leis
da concorrência. Este esquema acabava por alinhar o comportamento dos bancos,
permitindo que cada um soubesse o que os concorrentes ofereciam aos seus
clientes, o que, automaticamente, eliminava quaisquer estímulos para que o
banco oferecesse melhores condições. Resultado destas ações, os spreads
aplicados pelas instituições financeiras a novas operações de crédito à
habitação assinalaram uma subida acentuada, desde meados de 2008, assim como a
abrupta queda da Euribor (valores historicamente baixos em 2013 - a média
mensal de dezembro de 2013 das Euribor a três e a seis meses foi de 0,27 por
cento e 0,37 por cento, respetivamente) levou a uma subida sustentada dos spreads médios, logo a um abrandamento na redução da
taxa de juro.
Posto
isto, a situação não poderia ficar mais clara: trata-se de vermos os bancos portugueses,
que representam quase a totalidade do mercado financeiro, roubarem às empresas
e aos cidadãos, durante mais de uma década, o seu direito de beneficiar com o
cenário concorrencial que, por lei, é caraterístico deste setor. Coloca-se então uma importante questão: onde
está a prática de um mercado livre defendida pela banca? Não está, porque não
foi praticada. E para estimular a revolta e crítica do povo, podemos relembrar
uma outra questão, tão simples quanto é a seguinte: qual o período em que tudo
ocorreu? Entre 2002 e 2013, um período que deixa feridas. Afinal, foram os anos
que lançaram o país para a crise financeira.
Previsivelmente, a maioria dos bancos
tem vindo a recorrer da decisão imposta pela AdC e, seguramente, já podemos
antecipar os massivos gastos em sociedades de advogados que serão investidos
por parte de cada um. Do outro lado do julgamento ficam os lesados, cujos danos
serão definitivamente mais acrescidos, já que o prejuízo de que foram alvo não
justificará todo o dinheiro em advogados que terão de gastar para que consigam
ficar em pé de igualdade com o seu adversário em tribunal… Este tipo de
injustiça não se pode considerar algo novo num país que nem dá o devido valor a
uma concorrência honesta e muito menos se inquieta com as instabilidades que
advém da “batotice” praticada pelos “grandes” da sociedade.
Aqui fica o grande ponto de toda esta questão: há,
claramente, um enorme desequilíbrio promovido pela escassez de recursos e meios
entre os sectores da economia com maior poder e as entidades reguladoras. É
certo, que já vivemos tempos em que o governo liderava as decisões sobre a
imposição das taxas de juro comerciais e os limites de crédito para cada banco,
mas a lei da concorrência já deu provas suficientes de que veio para ficar, e
de que velhos hábitos não são para retomar. Contudo, é imprescindível assumirmos
que, neste momento, estamos a enfrentar a forte necessidade, mais do que
exposta pelo cartel, de instituições supervisoras e reguladoras de pulso forte.
Caso contrário, situações como esta acabam inevitavelmente por obedecer às
formalidades mas deixar de parte qualquer justiça -um julgamento sem sentença.
Andreia Amorim
[artigo
de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e
Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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