quarta-feira, 6 de junho de 2012

O degrau helénico para a união orçamental

Se a Grécia for forçada a sair da moeda única, a zona euro jamais sobreviverá a este choque. O que até agora foi uma união monetária dará lugar a uma área de moeda única sem qualquer tipo de regras. Este acontecimento sem precedentes irá sem dúvida nenhuma tornar explícito em valores quantitativos a importância da confiança para a economia. Se de facto acontecer, é possível prever uma fuga massiva do investimento estrangeiro, uma contracção no crédito e uma forte queda do produto. A zona euro jamais sobreviverá a este choque. Mas não só. As consequências de uma saída serão igualmente catastróficas para a Grécia, ao contrário do que muitos podem pensar. O retorno do poder sobre as políticas macroeconómicas não será suficiente. 
Várias vozes têm surgido, defendendo que isto deve ser feito para salvar “a união orçamental”, que ironicamente pressupõe seguir o caminho oposto. No entanto, se o objectivo é salvar a zona euro, é preciso que esse compromisso defenda de facto os interesses da união. 
Primeiro, é necessário instituir um sistema de garantia de depósitos que assegure inequivocamente que os depósitos serão liquidados em euros, mesmo que o país anfitrião saia da zona euro. É também necessária a criação de um esquema financiado pela zona euro para forçar a recapitalização dos bancos. É fundamental que abarque todos os bancos e não apenas os maiores. À confiança deve igualmente associar-se uma maior centralização da regulação e supervisão bancárias. No entanto, estas medidas são meramente complementares ao fundamental: a necessidade de criar um modelo de eurobonds que possa cobrir grande parte das dívidas novas e pendentes. Por último, impõe-se uma mudança ao nível do mandato do Banco Central Europeu (BCE), no sentido de incluir responsabilidades específicas relacionadas com a estabilidade financeira, bem como tornar explícito que o BCE não enfrenta quaisquer restrições na gestão das operações no mercado secundário no exercício do seu novo mandato. 
O que poderá acontecer se a Grécia permanecer na zona euro sem que se chegue a um acordo sobre os pilares da sustentabilidade que enumerei?
No primeiro caso, a Grécia entraria em incumprimento face ao programa de ajuda em 2013 ou 2014. Este ano, Espanha deverá solicitar ajuda no âmbito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) para gerir a recapitalização do seu sector bancário. O que poderá acontecer se apenas for acordada uma obrigação de reembolso da dívida? Aparentemente, as coisas estão a evoluir nesse sentido. A ideia, proposta pelo Comité de Conselheiros Económicos do Governo alemão, é canalizar toda a dívida "excessiva" para as ‘eurobonds', cujo reembolso poderá ser feito num período de 20 anos - no caso da dívida que ultrapasse os 60% do rácio entre dívida/PIB. No final dos 20 anos, a obrigação teria sido reembolsada, ficando apenas a dívida nacional. 
Diria que é irrealista, porque a meta dívida/PIB é, ela mesma, irrealista. Alguém acredita que Itália vai reduzir o seu rácio dívida/PIB de 120% para 60%? Além disso, não ajudaria Espanha, uma vez que o seu problema é a dívida do sector privado. Ao criar-se um fundo de reembolso sem prever a emissão de ‘eurobonds' corre-se o risco de as taxas de juro não descerem o suficiente. Pessoalmente, desaconselho a União Europeia de adoptar uma base tão incipiente e desadequada como esta para uma união orçamental.
Restam as seguintes hipóteses: colapso imediato se a Grécia sair da zona euro ou evolução directa para uma união orçamental. É fácil prever que a escolha dos líderes europeus recaia sobre a última opção. Também ela está condenada ao fracasso, graças às mesmas razões que permitiram que ela própria se tornasse uma hipótese: a falta de confiança, e possível abertura de precedentes sempre que um membro se encontrar em situações decadentes como a Grécia. No entanto, este caminho deve ser considerado como uma evolução natural do modelo europeu. Não é possível criar uma união eficaz e de frente unida (no verdadeiro sentido da palavra), sem que esta seja o mais completa possível. O que inicialmente se tratava de acordos sobre o livre circulação de pessoas, evoluiu naturalmente para o livre comércio de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Posteriormente os países abdicaram do controlo monetário, e faz todo o sentido que haja a necessidade de complementar as falhas do sistema aumentando o grau de integração das economias no modelo. A eficácia não funciona com meios termos.

Miguel Gomes

[Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3.º ano do curso de Economia (1.º ciclo) da EEG/UMinho]

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