quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A Crise do Euro

Já se passaram três anos desde a eclosão da crise do euro, e só um optimista inveterado diria que o pior já passou. Alguns, com base em recentes indicadores positivos, concluem que a austeridade funcionou. Mas parece um contra-senso quando há países que ainda estão em depressão, com o PIB per capita ainda abaixo dos níveis pré-2008, as taxas de desemprego acima de 20%, e de desemprego entre os jovens em mais de 50%. A este ritmo, um retorno à normalidade não pode ser esperado até meados da próxima década. 
Um estudo recente realizado pela Fed concluiu que o prolongado desemprego elevado dos EUA terá efeitos adversos sobre o crescimento do PIB para os próximos anos. Se isso for verdade nos Estados Unidos, onde o desemprego é 40% menor do que na Europa, as perspectivas para o crescimento europeu revestem-se de pouco alento.
Urge, acima de tudo, uma reforma fundamental na estrutura da zona euro. Até agora, tem havido um relativo consenso sobre aquilo que é exigido:
• Uma união bancária real, com supervisão comum, seguro de depósitos comum, e comum resolução; sem esta, o dinheiro continuará a fluir dos países mais fracos para os mais fortes;
• Um mecanismo de mutualização da dívida, como os Eurobonds: com um rácio dívida/PIB mais baixo do que os EUA, a zona do euro poderia contrair dívida com taxas de juro reais negativas, como os EUA fazem. Isto iria libertar dinheiro para estimular a economia, quebrando o ciclo vicioso dos países atingidos pela crise, em que austeridade aumenta o peso da dívida, tornando-a menos sustentável, pela redução do PIB;
• Políticas industriais que permitam a convergência dos países mais afectados, o que implica rever restrições actuais, que barram essas intervenções sob o argumento de interferirem ​​no mercado livre;
• Um banco central que se concentra não só na inflação mas também no crescimento, o emprego e a estabilidade financeira;
Grande parte do projecto do euro reflecte as doutrinas económicas neoliberais que prevaleciam quando a moeda única foi concebida. Pensava-se que manter a inflação baixa era condição necessária e quase suficiente para o crescimento e estabilidade, que a independência dos bancos centrais era a única maneira de garantir a confiança no sistema monetário, que baixo endividamento garantia a convergência económica entre os países membros, e que um mercado único, com livre circulação de pessoas e capitais garantia eficiência e estabilidade.
Cada uma destas doutrinas revelou-se incorrecta. Os bancos centrais independentes europeus tiveram uma reacção menos eficaz do que os bancos menos independentes em alguns dos principais mercados emergentes, já que o seu foco na inflação desviou a atenção do problema mais importante: a fragilidade financeira.
Da mesma forma, a Espanha e a Irlanda tinham superavits fiscais e baixos índices dívida/PIB antes da crise. A crise provocou os défices e dívida elevada, e não o contrário, e as restrições fiscais com que a Europa se comprometeu não vão facilitar a rápida recuperação desta crise, nem vão impedir a próxima. 
Finalmente, a livre circulação de pessoas, como o livre fluxo de dinheiro, parecia fazer sentido: os factores de produção iriam para onde o seu retorno fosse maior. Mas a emigração de países atingidos pela crise, em busca de mais e melhores oportunidades, esvaziou as economias mais fracas. 
Desvalorização interna - diminuindo salários e preços - não é substituto para a flexibilidade da taxa de câmbio. De facto, há uma preocupação crescente com a deflação, o que aumenta o peso de níveis de dívida já de si muito altos. 
Nenhum país jamais recuperou a prosperidade através da austeridade. Historicamente, alguns países conseguiram que as exportações preenchessem a lacuna resultante da contracção da despesa pública, o que lhes permitiu evitar os efeitos depressivos da austeridade. Mas as exportações europeias pouco aumentaram desde 2008 (apesar do declínio dos salários em alguns países, sobretudo na Grécia e Itália – Portugal tem revelado indicadores positivos neste capítulo). Com um crescimento global frágil, as exportações não irão salvar a Europa num futuro próximo.
O intuito do euro era trazer crescimento, prosperidade e um sentido de unidade para a Europa. Em vez disso, trouxe estagnação, instabilidade e divisão. E não tem de ser assim. Os EUA, recorde-se, saíram da Segunda Guerra Mundial com uma dívida elevada, mas conseguiram no período que se seguiu um crescimento sem precedentes. O euro pode ser salvo, mas vai exigir mais do que discursos vãos de compromisso comunitário. Se alguns países não estão dispostos a fazer o que é preciso - se não houver solidariedade suficiente para fazer a política funcionar - então o euro pode ter que ser abandonado a fim de salvar o projecto europeu.

João Nuno Antunes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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