terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Poupança e Endividamento

Os primeiros anos de Portugal na União Europeia foram marcados por um forte crescimento económico e pela promoção do Estado Social, que permitiu uma convergência acelerada do nível de vida das famílias portuguesas com a média europeia.
Paralelamente, a preparação para a entrada no Euro impulsionou a redução das taxas de juro e da taxa de inflação e o desenvolvimento do sistema financeiro português veio facilitar o acesso ao crédito e alterar as práticas de poupança e endividamento das famílias portuguesas, num contexto da melhoria das condições de financiamento do país.
Com efeito, as famílias portuguesas multiplicaram por quatro o seu nível de endividamento nos últimos 15 anos e reduziram em um quinto a sua taxa de poupança, num contexto de maior acesso ao crédito. Com efeito, as baixas taxas de poupança da economia portuguesa têm representado uma restrição ativa à capacidade de Portugal enfrentar a crise financeira internacional. Adicionalmente, o papel do Estado tem sido particularmente negativo, sendo ele próprio, com as suas poupanças negativas, responsável por grande parte das dificuldades que enfrentamos. No entanto, a tendência decrescente da taxa de poupança da economia portuguesa nas últimas décadas é explicada pela redução da poupança dos privados, famílias e empresas.
A disparidade do nível de endividamento das famílias portuguesas face às famílias europeias agravou-se de forma expressiva, de 4 para mais de 30 pontos percentuais entre 1999 e 2010. Com a exceção da Alemanha e do Chipre, as famílias europeias aumentaram o seu nível de endividamento da última década, sobretudo na Irlanda, Dinamarca, Holanda, Estónia, Letónia, Espanha e Portugal. Muito concentrada num número restrito de famílias de maiores rendimentos e riqueza, a taxa de poupança dos portugueses é sistematicamente inferior ao padrão europeu. Consequentemente, os consumidores portugueses são dos que apresentam sistematicamente menor tendência de aforro, encontrando-se próximos dos gregos, húngaros e romenos, que constituem o grupo da UE27 com menores expetativas de poupança.
O incremento do acesso ao crédito foi particularmente evidente na década de 90, com os empréstimos bancários às famílias, para habitação e consumo e outros fins. No final de 2010, os empréstimos concedidos às famílias envolviam um número de devedores equivalentes a mais de metade da população adulta residente no país, onde nessa data o total das dívidas das famílias à banca e a outras entidades que concedem crédito ascendia a 120% do rendimento disponível, sendo quatro quintos destinado à habitação, perto de um quinto ao consumo e menos de 5% ao financiamento à atividade empresarial em nome individual.
A resolução da crise da economia portuguesa passará necessariamente por inverter esta tendência. As restrições no acesso ao crédito externo tornam o financiamento do investimento, essencial para a recuperação do crescimento económico, muito dependente da poupança nacional. Por conseguinte, julgo que a limitação do acesso ao crédito acabará por ocorrer de forma natural, quer em resultado da dificuldade em obter financiamento no exterior, quer em resultado da tomada de consciência - principalmente por parte do sector financeiro - de que as expectativas elevadas que nortearam os pedidos e a concessão de crédito no passado recente eram demasiado otimistas.
Vale sempre a pena realçar que ao endividamento excessivo está associado um risco sistémico. Se os agentes, em vez de recorrerem à poupança, se valerem do crédito para financiarem as suas compras, o endividamento aumentará, ou seja, aumentarão as responsabilidades futuras desses agentes perante outros. A capacidade para cumprir essas obrigações dependerá de vários fatores, tais como: não perder o emprego, não adoecer, não se divorciar, entre outros.
Em suma, e de acordo com o exposto, a principal medida a ser tomada começa pelo Estado promover a poupança, dando o exemplo, com a diminuição de despesas ineficientes, as quais oneram os contribuintes e agravam a nossa posição internacional. Apesar, de no curto-prazo parecer ser uma medida inconsistente, no médio/longo-prazo será uma medida crucial para recuperarmos o crescimento económico. Não nos esqueçamos que poupar significa gerir recursos e, consequentemente, criarmos condições para que no futuro possamos investir.

 Marta Diana Silva Fernandes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Sem comentários: