terça-feira, 8 de janeiro de 2013

“Quem casa, quer casa”

Segundo a FEDICOP (Federação Portuguesa da Industria de Construção e Obras Públicas), em menos de seis meses – de 1 de janeiro a 25 de junho de 2012 – desapareceram 868 construtoras, mais 60% que no mesmo período do ano passado. Quer isto dizer que o sector perde 90 postos de trabalho por hora.
Como se chegou a esta situação? Qual o futuro da construção civil e obras públicas em Portugal?
Com a chegada da democracia, em 1974, deu-se início a uma nova era, com importantíssimas transformações a nível social, educacional, económico e até religioso:
Nas décadas de 80 e 90, renovou-se toda a rede viária do país; Construíram-se pontes, viadutos, centros comerciais, novos estádios de futebol e universidades; Restaurou-se o património histórico. Tudo isto graças às avultadíssimas verbas transferidas da União Europeia. Mas a atividade que mais contribuiu para a transformação do país foi o da construção civil, que atingiu o seu auge por volta dos anos 2002/2004, directamente envolvida nesses processos.
Paralelamente à “fome de terra” que levou à reforma agrária, havia o sonho de habitação condigna que se expressava através do ditado popular “Quem casa, quer casa”. Tanto assim é que, nas vagas de emigração das décadas de 60 e 70, os expatriados procediam ao envio de remessas monetárias, quer para o melhoramento da qualidade de vida das respectivas famílias quer para, futuramente, procederem à construção ou compra da sua casinha. Chegada a revolução de 25 de Abril, esta aspiração tornou-se ainda mais premente. Na verdade, antes da revolução viviam três e quatro famílias debaixo do mesmo teto. Isso tinha que ser mudado e assim aconteceu. A construção de habitações emergiu com toda a força e em todo o país. Foram criadas condições para que a construção civil prosperasse: Os municípios criaram os PDM (planos diretores
municipais), onde se definiam grandes extensões de terra para construir, e os bancos abriram linhas de crédito para esse efeito, quer destinados aos empresários quer aos consumidores.
O setor imobiliário revolucionou e impulsionou a economia do país quer pela construção, em si, quer pelo desenvolvimento das atividades direta ou indiretamente relacionadas com a construção e venda. Foi um “boom” desenfreado na construção e no recurso ao crédito fácil. Os bancos, em pouco tempo, e também por força da adesão à moeda única, baixaram as taxas de juros de mais de 15 % para 1% ao ano. Todos os bancos faziam publicidade nos média, apregoando taxas de juros inimagináveis. Emprestavam dinheiro para comprar casa, mobília, carro, eletrodomésticos, ir de férias, etc. Pressionavam os consumidores a pedirem dinheiro emprestado. Enviavam cartões de crédito para toda a gente, mesmo para quem os não tinha pedido. Era uma desregulação bancária total. Mais parecia que os bancos não estavam sujeitos qualquer supervisão do Banco de Portugal.
Muitos dos empresários de construção civil, em Portugal, podem afirmar que determinados bancos financiavam apartamentos a muitas pessoas, a viver do rendimento mínimo. Como é possível a banca proceder desta forma? Emprestar dinheiro aos consumidores, que à mínima dificuldade, não tem forma de cumprir com os empréstimos assumidos? Neste aspeto, os bancos proporcionaram à sociedade em geral, um crescimento irreal, enganador, que hipotecou o futuro dos empresários da construção civil e dos seus clientes. E como foi possível que tudo isso se passasse sem qualquer tipo de controlo do poder?
Ora, o setor imobiliário é um dos mais abrangentes da economia portuguesa. Ligados a este setor estão vários tipos de atividade, nomeadamente, carpintarias, vidrarias, serralharias, empresas de granito e de cerâmica, fábricas de tintas, de ferramentas e de máquinas, isolamentos térmicos. Enfim, uma infinidade de atividades dependentes do setor imobiliário e da sua sorte. Entrando o setor em crise, como a atual, automaticamente esta se manifesta em muitas franjas da sociedade, por efeito de arrastamento. Nestes últimos tempos, cerca de 80% de imobiliárias foram declaradas insolventes e muitos dos seus proprietários também. O desemprego no setor é que mais contribui para a taxa de desemprego global do país. No final de agosto, de 2012 estavam inscritos nos centros de emprego 97.874 desempregados oriundos do setor.
Perante esta realidade, e em minha opinião, esta crise do setor imobiliário não tem fim à vista. E isto porque, como reflexo do descontrolo das contas públicas, o Estado e as
Administrações locais, não pagam ou atrasam os pagamentos às empresas de construção.
Por outro lado, para cumprir o dificílimo memorando da Troika, o governo e as autarquias locais não investem ou até cancelam as obras públicas.
A nível das obras particulares, habitação e parque não habitacional, sucede o mesmo.
Na verdade, com o excesso de construção verificado, existem no mercado, aproximadamente, três casas por habitante. Ora, numa situação normal, as famílias até poderiam investir na aquisição de habitações secundárias. No entanto, com a atual crise ninguém tem disponibilidades financeiras ou arrisca investir.
Com as medidas de austeridade impostas - redução de salários, congelamentos nas progressões nas carreiras, redução de regalias sociais e excessiva carga fiscal – e o enorme aumento do desemprego, os cidadãos, para além de não disporem de recursos financeiros, não têm confiança no futuro, para fazerem grandes investimentos.
Havendo diminuição das encomendas, necessariamente, as empresas de construção entram em colapso, bem como as atividades com elas associadas.
Por último, sucede que os bancos, por virtude dos irresponsáveis créditos que fizeram a quem não tinha condições de os pagar, retomaram muitas das habitações que tinham vendido. E, agora, só quase financiam a aquisição das habitações que retomaram, já construídas. O que nenhum benefício traz às empresas de construção.
Toda esta situação, de constante abaixamento do nível de vida e crescimento do desemprego, relança os portugueses no processo de emigração. Muitos dos emigrantes que haviam regressado a Portugal, voltaram a emigrar. Por outro lado, os jovens tiram um bilhete de avião de ida, e vão à procura de realizar os sonhos a que têm direito. 60% dos nossos licenciados já emigrou. Mas este número é bem superior nas profissões diretamente relacionadas com o setor imobiliário como os cursos de engenharia civil, arquitetura, especialidade onde somos altamente competitivos em todo o mundo. Assim sendo, o país, aos poucos vai sendo descapitalizado da sua juventude e das suas aptidões técnicas, em proveito dos países acolhedores dessa mão-de-obra.
Poder-se-ia afirmar que a recuperação se poderia fazer por via da internacionalização das empresas de construção civil e obras públicas e algumas o estão a fazer. No entanto, esta solução só é viável para as grandes empresas ou consórcios e não para as micro ou Pmes, que constituem a maioria do tecido empresarial português. Pelo que, em minha opinião, a recuperação do setor não tem um futuro risonho nas próximas décadas.
Gostaria que a minha visão estivesse errada, mas, infelizmente, não o posso afirmar. Na verdade, com o progressivo desaparecimento da classe média, desaparece um dos motores da economia, da procura de bens e serviços. Por outro lado, num país em que os mais desfavorecidos estão a pagar a crise, injetando dinheiro nos bancos que não o emprestam a ninguém, e uma população envelhecida, não se afigura que o setor imobiliário /construção civil, tenha condições propícias à sua recuperação.

Melanie Pereira

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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