segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As falhas das agências de “rating”

Recentemente, foi publicado pela “European Securities and Markets Authority” – ESMA –, a entidade europeia que está encarregue de supervisionar os mercados financeiros, um relatório que se pronuncia sobre as conclusões da sua investigação aos procedimentos das agências de notação financeira internacional.
Nesta exposição, conclui-se que foram verificadas diversas falhas na atribuição de “ratings” soberanos, os quais são direccionados para o estabelecimento de notas sobre a performance económica, financeira e orçamental de um país, por forma a atribuir informação aos investidores externos sobre variáveis relevantes nas decisões de investimento. Nesta particular vertente, Portugal foi absolutamente dizimado pela investida das sucessivas notas desfavoráveis atribuídas pela Moody’s, pela Fitch e pela Standard & Poor’s.
Em concreto, no parecer, foram detectados problemas em áreas como: na independência e prevenção de conflitos de interesses; na confidencialidade da informação sobre o “rating” de um determinado país soberano; no tempo demorado no processo de comunicação das mexidas no “rating”; nos recursos aplicados à atribuição de “ratings” soberanos. Um caso mais específico relatado foi a divulgação de futuras decisões de “rating” a uma terceira parte não autorizada. Portanto, houve fuga de informação para fontes privilegiadas, de forma a estas poderem preparar o seu plano de actuação de forma antecipada.
Este novo relatório não vem dizer nada que o público em geral já não se tenha apercebido. Como já se sabia, as agências de “rating” tinham e têm problemas. Ou melhor dizendo, as agências de “rating” são parte integral do problema. Estas entidades, que deviam ter feito o seu trabalho pré-crise do sub-prime, em 2008, limitaram-se a olhar para o lado e deixar passar em branco todas a falhas e procedimentos insustentáveis, para a prevenção das quais foram criadas, em primeira instância. Depois, em 2010, vem atacar economias já extremamente fragilizadas – como a Grécia e Portugal – para as mostrar como exemplo, para que todos vejam que os pecados económico-financeiros que praticaram nunca saem impunes.
Na minha opinião, o que a ESMA deveria ter escrito neste relatório era que as agências de “rating” foram e são, por si próprias, a falha monumental do sector financeiro. Estas entidades deviam utilizar métodos rigorosos de notação financeira – quer empresarial, quer soberana – e emitir notação do mesmo modo. Por outro lado, se a ESMA tivesse dignidade institucional, reconhecia igualmente o seu próprio falhanço regulatório contínuo e gravoso, que contribuiu para o agravamento das situações de financiamento e consequentemente liquidez dos países europeus – principalmente dos países do sul da Europa.
A crescente volatilidade nos últimos anos no processo de atribuição de “ratings” soberanos, a par da crescente importância da actuação das agências de notação financeira para o mercado de crédito e a estabilidade financeira, fez com que se comprometesse a credibilidade perante os utilizadores e, primeiramente, perante os cidadãos, em geral – que é quem mais sofreu e sofre as consequências do desgoverno destas administrações. Além do mais, ninguém sabe muito bem como se processa o procedimento da notação, nomeadamente, os critérios que as agências usam para notar uma dada economia. Essas informações deveriam ser do conhecimento do público, até por uma questão de simples transparência. 
A mim, parece-me que toda a neblina envolvida nesta área não favorece a própria ESMA. A Fitch, a Moody’s e a Standard & Poor’s parecem quase como um oligopólio natural de notação financeira, em que os reguladores pouco ou nada podem fazer para desconcertar as suas acções. Não há incentivos suficientemente grandes para as rearranjar de forma a seguirem o caminho do rigor porque, muito provavelmente, os interesses dos lobbies por detrás das notações falam sempre mais alto. 
Na minha opinião, há que garantir que as agências de notação financeira cumpram a sua missão de forma rigorosa, livre de conflitos de interesses e o façam oportunamente. Mas, como é este simples objectivo, em teoria, exequível? Talvez, no fundo, não seja na prática possível regular um sector tão abrangente e ao mesmo tempo impalpável, como é o sector financeiro. Quiçá, o único que se pode fazer é relativizar as notações emitidas.
Em conclusão, não há maior falha possível de ocorrer do que quando um regulador falha consecutivamente os propósitos da sua criação. No caso das agências de notação financeira, há uma cadeia de ineficiências interligadas entre os agentes e não parece que muito tenha mudado. Este caso é gritante se por nada mais for pela mera proporção do baque que provocou às economias europeias.

Ana Luísa Araújo Rodrigues

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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