segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Para que não nos esqueçamos: o início da crise

É claro para qualquer um que tenha feito um estudo mínimo sobre a crise financeira iniciada em 2008 que a determinação do sector privado americano (e não só) em conseguir lucros de curto prazo foi a razão por detrás de todo o desenlace. Mais de 84% dos empréstimos denominados de sub-prime, em 2006, foram emitidos por instituições privadas. Nesta particular vertente, os bancos emitiram cerca de 12 milhões de hipotecas, que totalizavam um absurdo de 2000 mil milhões de dólares. Destes, 83% dos empréstimos foram direccionados a clientes de crédito à habitação com rendimentos moderados ou baixos. Das 25 instituições que mais emitiram esse crédito de risco, somente uma foi sujeita a maior escrutínio sobre esses investimentos, realizada por uma das muitas entidades reguladoras do sector nos Estados Unidos. 
Recapitulando o porquê da crise financeira, é preciso trilhar diferentes caminhos dado que há uma multiplicidade de agentes envolvidos.
Em primeiro lugar, desde há vários anos, até 2007/2008, houve desregulação da actividade bancária, que se traduziu imediatamente em especulação de uma grande variedade de produtos de alto risco, trazendo alta vulnerabilidade para o sector. As taxas de juro baixas instigaram um rápido boom de diversos activos. Os gestores de fundos juntaram-se para fazer dinheiro fácil à custa das taxas de juro apetecíveis no crédito de alto risco. As necessidades de liquidez dos bancos foram progressivamente “relaxadas”, criando pouca margem para erros como aqueles que se vieram a verificar – posteriormente, foi mais difícil resgatar alguns dos bancos mais turbulentos. A legislação dos países ocidentais ficou mais permissiva quanto à regulação do crédito, levando ao aumento da venda de produtos arriscados que, conjugados com outros pontos já referidos, ajudou a pender a balança para uma total liberalização de um mercado que já na sua génese era intrinsecamente tóxico. 
A força motora por detrás da crise foi o sector privado. Claramente, muitos actores, como disse anteriormente, tiveram um papel nesta história. Alguns pertenciam ao sector público e outros ao sector privado. No entanto, as agências públicas estavam a agir sob o comando do sector privado. Ninguém se lembrou de repentinamente desregular este sector extremamente volátil. As agências governamentais estavam a ser persistentemente enfrentadas por lobbies para fazer exactamente tudo aquilo que iria beneficiar o sector financeiro e todos aqueles que têm cargos de relevo dentro deles. E por detrás de tudo isso estava, claramente, o ímpeto de fazer lucros a curto prazo.
Porque é que ninguém deu o alerta? Como aluna, pergunto-me porque é que, mesmo estando os Bancos Centrais e as agências de regulação sobre pressões externos,  não se ouviu ninguém alertar para o que aí viria? Mesmo que isso tivesse acontecido, faria alguma diferença no resultado final? Na minha opinião, a resposta é clara: não. Nada teria sido diferente. As pessoas que, de facto, falaram ou tentaram alertar para o que se estava a passar foram ou ignoradas ou marginalizadas, na ânsia de realizar dinheiro. Um caso concreto, foi o do antigo governador do Banco de Inglaterra, Sir Andrew Large, que expôs um aviso sobre o crash iminente, na London School of Economics, em 2004. Não houve cobertura mediática nem referências directas a este discurso. Nos 2 anos subsequentes, ele continuou a argumentar que o sistema era, pura e simplesmente, insustentável. Os seus discurso enfureceram, o então, político, Gordon Brown. Em 2006, ele desistiu – reformou-se antes do término do seu mandato. Outro caso, foi o do ex-economista-chefe do FMI, em 2005, Raghuram Rajan, que discursou perante uma plateia de banqueiros advertindo que a modificação do sector, as acções das instituições e a desregulação tinham criado um sistema financeiro insustentável. O discurso não caiu bem aos presentes. O contraditório saiu da boca do antigo secretário do tesouro dos EUA – Lawrence Summers – que aniquilou qualquer possibilidade de discussão sobre a matéria, dada a sua credibilidade. No fundo, a procura de lucros no curto prazo devastaram toda e qualquer oposição no seu caminho, até ao epílogo inevitável em 2008.
Queremos outra crise financeira? As taxas de juro artificialmente baixas reflectem estritamente aquilo que se passou e ainda se passa. Isto apela à “criatividade” do sector financeiro para encontrar investimentos que tenham altos retornos, em vez de, por exemplo, aplicá-lo no crédito às PME’s. Porque não  deveríamos esperar que fossem encontrados os sucessores para os créditos à habitação de alto risco? O que é que os impede de o fazerem? Houve grandes falhanços por parte dos Bancos Centrais no período anterior, durante e posterior ao início da crise. Não me parece que a sua credibilidade esteja em níveis que sejam compatíveis com as funções que tiveram e têm de desempenhar. A questão é muito simples: queremos renegar a realidade e ir pelo mesmo caminho de 2008, e danificar ainda mais a bases instáveis que temos, ou, vamos pelo caminho de reorganizar o sector privado – e o sector financeiro, em particular – para trazer valor para a economia em detrimento do lucro imediato?
Em conclusão, apesar do cerne da discussão se centrar na crise do sub-prime, noto que não há grandes diferenças na atitude da indústria financeira europeia e americana para com os comportamentos adoptados pelos bancos actualmente, que cada vez mais asfixiam qualquer possibilidade de ajuda à economia produtiva. Já que foram eles os principais agentes propulsores da crise, deveriam ser os primeiros a provar a sua “redenção”. Mas como se sabe, o poder está e irá estar condensado num pequeno grupo que sempre saí impune porque, afinal, a culpa nunca é de ninguém. Resta, pelo menos, relembrar isso.

Ana Luísa Araújo Rodrigues

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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