segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Economia Paralela - um negócio à parte

A ENR (Economia não registada) corresponde à parte da economia que não é avaliada pela contabilidade nacional, onde se inclui a economia ilegal (fraude, branqueamento de capitais e outros), a oculta (subdeclarada ou subterrânea - a que não paga impostos), a informal (como os biscates - “sem fatura”), mas também a produção para uso próprio (autoconsumo) e a que não é considerada por deficiências da estatística. Por outro lado, existem atividades que nunca poderiam ser declaradas sob pena dos seus praticantes serem presos, como o contrabando de armas, a droga, as redes de prostituição, a manipulação e venda ilegal de medicamentos.
As principais causas para a fuga aos impostos são precisamente a carga fiscal direta e indireta sobre as empresas e famílias e as contribuições para a segurança social. Destaca-se ainda a intensidade e complexidade de leis e regulamentos (burocracia, em geral), a falta de credibilidade de órgãos de soberania e a evolução do mercado de trabalho, em particular o aumento do desemprego. 
A economia paralela em Portugal vale perto de 46 mil milhões de euros, mais de 27% do PIB (a percentagem mais elevada desde 2010). Para percebermos a dimensão destes valores, é como dizer que quase cinco orçamentos destinados à Saúde circulam à margem do fisco. 
O peso percentual da economia paralela é em Portugal bastante superior à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), fixada em 16,4%. 
O setor dos serviços, o maior setor da economia, é o mais afetado pela economia paralela, representando cerca de 18% do total, seguido da indústria (com 6%) e da agricultura (com  0,68%).
Um estudo do Observatório de Economia e Gestão da Fraude (OBEGEF) revela que bastava que os níveis da economia paralela em Portugal caíssem para a média da OCDE para que o défice público baixasse para 2,5% (cumprindo o limite de 3% estabelecido pela Comissão Europeia). O valor do PIB, a preços correntes, subia de 179 mil milhões para 199 mil milhões de euros. 
A aplicação de uma taxa média de impostos de 20% sobre a economia não registada (ENR) representaria uma receita de 9799 milhões de euros (valor que cobriria o défice e ainda deixaria excedente orçamental). O défice público cairia para -0,85%.
Se toda a economia paralela portuguesa estivesse refletida nas contas nacionais, sendo considerada no PIB, e o Estado cobrasse o mesmo nível de impostos que cobra à economia oficial, em vez de um défice de 4,2% do PIB e uma dívida de 107%, teríamos um excedente orçamental de quase 1,2% (superior a 4 mil milhões de euros), uma dívida pública de 82% do PIB e as finanças públicas seriam das mais sólidas da Europa. 
 Já num cenário de total inexistência de economia paralela, Portugal deixaria de ser um país deficitário, para atingir um excedente de 0,4%. 
Comparando com 1970, o índice da economia não registada subiu de 10,17% (121 milhões de euros gerados com este tipo de atividades não taxadas) para 27,29% em 2015. A tendência tem sido de crescimento ao longo dos anos, aumentando em média 0,4% anualmente (apesar de alguns anos de ligeiros recuos, que acompanham ora o aumento da carga de impostos ora uma atividade mais intensa da inspeção tributária)
As consequências da economia paralela são a redução das receitas fiscais, o que compromete o contributo dos governos para promover "a eficiência económica, a equidade e a estabilidade macroeconómica". Também prejudica o crescimento económico face à escassez de recursos para investimento e provoca distorções na concorrência entre empresas. Gera desconfiança e uma ideia de impunidade.
É evidente que nenhuma economia consegue banir totalmente a economia paralela, mas pode reduzi-la muito. No que depende do Estado português, há mesmo que investir seriamente no combate à economia paralela. Mas muito também depende da União Europeia e dos próprios EUA, como no caso dos ‘offshores’. Isto não é só fruto da situação da economia interna, mas também da inserção da economia portuguesa no processo de globalização.
De forma a reduzir a economia paralela em Portugal, o Governo decidiu permitir, no IRS, a dedução do IVA em compras e serviços correntes e ainda obrigar à emissão de fatura. Apesar destas medidas limitarem as hipóteses de fraude e evasão, não as conseguem eliminar totalmente.
É claramente percetível que são muitos os milhões que passam ao lado da Economia devido a estas atividades, e que a ENR penaliza o crescimento económico de médio e longo prazo. Tem de haver um esforço no sentido de combater isto porque, apesar de ser impossível ou muito difícil de eliminar a economia paralela, podem ser tomadas medidas que atenuem e tornem mais difícil a prática de atividades como estas.

Raquel Ribeiro

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]


Nota do editor: não é correto afirmar que os valores transacionados no quadro da chamada Economia Paralela não são contabilizados para efeito de cálculo do PIB nacional. Há algum tempo que o INE vem fazendo esse apuramento, seguindo orientações provenientes do EUROSTAT. Tenha-se presente que o dinheiro gerado pela Economia Paralela acaba por entrar no circuito económico como despesa dos consumidores ou das empresas. Desta circunstância resulta que grande parte do que decorre da leitura feita pelo OBEGEF é inválido.

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