terça-feira, 27 de dezembro de 2016

PROPINAS NO ENSINO SUPERIOR: (DES)IGUALDADE?

Há anos que a questão das propinas tem vindo a desencadear fortes protestos e atitudes ambíguas de algumas associações e universidades. Várias estruturas do movimento associativo estudantil, que representam mais de cem mil estudantes, exigiram este ano o fim da existência de propinas, num documento conjunto assinado durante um Encontro Nacional de Direções Associativas. Tinham como objetivo a impulsão de uma reforma no sentido da gratuitidade progressiva do ensino superior, conforme previsto no artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa.
O ensino superior é um bem público e, como tal, deve ser fornecido gratuitamente. De qualquer modo, é fácil entender que, na prática, bem público não significa gratuidade. Pagamos a saúde, o outro grande bem público comparável à educação, tanto como taxas moderadoras nos atos médicos como na percentagem que fica fora das comparticipações nos medicamentos.
Ainda assim, mais do que o valor das propinas e o seu caráter mais ou menos simbólico, devem-se invocar importantes aspetos éticos. A meu ver, já não está em causa o seu pagamento, em si, mas o peso que elas devem ter, por um lado, no financiamento das universidades e, por outro, na economia das famílias. O primeiro aspeto tem a ver com as dificuldades de financiamento pelo Estado e provavelmente tenderá a agravar-se. O segundo é mais complicado. Pôr de parte uma fração, muitas vezes considerável, do orçamento familiar pode ser uma tarefa muito complicada, principalmente quando acumulado com outras despesas, como alimentação e alojamento, tendo em conta que temos dos mais baixos rendimentos médios da Europa.
São milhares os jovens que não equacionam a entrada da universidade pela incapacidade de dispensar mais de mil euros anuais. Face ao desinvestimento no setor registado no passado recente, a propina converteu-se num mecanismo discriminatório no acesso e sucesso académico, em função da condição económica de cada estudante.
Atentando ao âmbito da ação social escolar e sendo que as bolsas são atribuídas com base na declaração fiscal de rendimentos, colocam-se os conhecidos problemas de distorção e injustiça em virtude dos vícios do sistema de IRS, a que acresce o constante atraso na atribuição e transferência das prestações. Uma proposta que eu poria em cima da mesa consistiria na criação de contas poupança educação, à semelhança do que acontece nos EUA, com uma comparticipação do Estado e com juros bonificados obrigatoriamente capitalizados. Outra hipótese, como praticado na Inglaterra, é a de empréstimos a pagar posteriormente com uma taxa na vida ativa. Assim, o pagamento futuro, dependente dos rendimentos, seria uma partilha de riscos entre o diplomado e o Estado.
Do meu ponto de vista, o aumento da qualificação geral do trabalho e do número de diplomados com grau superior é de interesse nacional, como fator de enriquecimento e de aumento de competitividade da economia. Desta forma, é possível a construção de uma sociedade democrática inclusiva e o desenvolvimento da cultura nacional. Não devemos cortar as asas a quem tem força para levar este plano em frente.
Pelo exposto, conclui-se que, a manter-se a atual política de propinas, estamos perante um problema de sustentabilidade do próprio sistema de ensino superior como fator de combate à desigualdade. Urgem medidas atenuantes que permitam limitar a pressão sobre os estudantes e as suas famílias, garantindo a sua permanência no sistema, e que evitem a progressiva mercantilização do ensino superior.


Daniela Marcelo

Referências:
http://www.esquerda.net/opiniao/propinas-para-que-vos-quero/46071 - (21 de Dezembro de 2016)

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Sem comentários: