segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Estranhos usos da solidariedade

Quando pensamos numa organização sem fins lucrativos que apoia crianças em estados de saúde delicados, pensamos imediatamente numa causa nobre, em gente que dedica parte da sua vida a ajudar crianças e, consequentemente, é apelado o nosso lado emotivo de uma forma enfatizada, pois são crianças e nenhuma criança merece passar uma infância assolada por uma doença e perspetivas de um futuro incerto. Quando imagino uma criança, que não devia nunca ter que passar por momentos tão difíceis, que devia poder viver realmente a sua infância, há algo em mim que se revolta. É injusto uma pessoa ter assim a vida condicionada desde tão cedo, é injusto uma criança não poder simplesmente viver a sua infância.
Mas há quem, tal como eu, veja essa injustiça e dedique parte da sua vida a combatê-la ou a suavizá-la, tentando levar alguma normalidade e felicidade à vida da criança. É algo nobre e bonito de se ver, é algo que comove.
O problema é que, no meio de tudo isto, há quem veja uma oportunidade nesta injustiça e dê um uso indevido à palavra “solidariedade”. É o caso da senhora Paula Brito e Costa, ex-presidente da Raríssimas. É revoltante ver alguém dirigir uma organização deste tipo, que supostamente se preza pela bondade, utilizar assim meios que deveriam estar a ser usados na melhoria da vida de crianças que nasceram com doenças raras, crianças que não tiveram culpa do destino que lhes calhou, mas não! Estão, segundo a reportagem divulgada pela TVI, a ser usados para bem próprio, para uso pessoal, para alimentar a “vaidade” supérflua e egoísta de uma pessoa que se intitula de “solidária”. Pois, solidariedade aqui não há nenhuma porque, enquanto as crianças lutam arduamente contra as suas doenças, a senhora Paula deslocava-se num carro de luxo, cujo aluguer ascendia aos 921,59€ por mês, auferia de um rendimento mensal base de 3000€, ao qual acrescia 1300€ em ajudas de custo, 816,67€ para um plano-poupança reforma e, ainda, 1500€ de deslocações (quando o carro que conduzia era pago pela organização). Uma despesa que ultrapassa os 7500€ mensais, numa organização que vive maioritariamente de donativos que lhe são concedidos por quem acredita na causa da Raríssimas e quer contribuir para melhorar a vida das crianças, mas que são desviados sem dó nem piedade para fins egoístas e completamente desnecessários.
Desperta-me uma tristeza desmedida ver as crianças serem usadas como pretexto para que uma pessoa leve uma vida de luxo e, ainda, arranje forma de conseguir o mesmo para o marido e filhos, cujos rendimentos mensais provenientes da Raríssimas eram de 3200€ e 1200€, respetivamente.
E não podemos esquecer a mancha que isto deixa no mundo das organizações que se dedicam a ajudar, porque nem todas elas funcionam desta forma vergonhosa. Há realmente quem se preocupe com os outros e utilize os fundos a que tem acesso da forma devida, mas perante casos destes como é que as pessoas saberão se os seus donativos estão a ser aplicados da forma correta ou estão apenas a patrocinar luxos alheios? Não sabem e, na dúvida, deixam de ajudar para não correrem o risco. E quem sai prejudicado? São as pessoas que realmente necessitam e veem as suas hipóteses de obter ajuda desaparecerem por motivos vergonhosos como este.
Pergunto-me quantas crianças viram a sua suposta ajuda a passar-lhes ao lado, diretamente para o bolso da senhora Paula Brito e Costa. Era suposto ajudar crianças, mas há vestidos demasiado bonitos para ficarem na prateleira e assim se perde a hipótese de uma pobre criança…para vestidos.
A confirmarem-se as acusações feitas a Paula Costa, este é um caso que danificará a confiança das pessoas nas organizações dedicadas a ajudar quem quer que seja e que deverá ser exemplarmente punido pela Justiça. Espero sinceramente que todos estes dados tenham uma justificação, para bem dos valores da nossa sociedade, mas, na falta disso, é preciso atuar de forma a desincentivar qualquer ação que se assemelhe a esta, para que os fundos obtidos através, por vezes, de donativos suados sejam corretamente aplicados e geridos.

Bárbara de Sousa Gomes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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