segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Uma perspetiva nacional e internacional da saúde

O mercado da saúde é, frequentemente, desvalorizado pelos estudos económicos face a outros mercados como o da energia, trabalho ou imobiliário. Contudo, em Portugal, as despesas em saúde ultrapassaram, nos últimos anos, os 10% do PIB, segundo dados da OCDE. Na verdade, a evolução tecnológica tornou a nossa vida substancialmente mais longa ao longo das últimas décadas, o que contribuiu, em larga medida, para uma valorização de vários ativos, nomeadamente, imobiliários ou ações. No entanto, apesar destes ganhos houve custos: os tratamentos médicos tornaram-se significativamente mais complexos e, portanto, mais dispendiosos. 
No mesmo sentido, embora a expectativa de vida tenha aumentado, durante uma parte cada vez maior da nossa vida, deixamos o estatuto de produtores, resumindo a nossa existência como agentes económicos ao consumo. Estes desafios levaram os povos europeus a criarem um modelo social que respeite não só o acesso a cuidados de saúde dignos, mas também que proteja os seus cidadãos quando estes deixarem de poder contribuir para a economia. É, neste ponto, que atingimos um dos mais polémicos debates da atualidade. Serão o estado social e a saúde pública sustentáveis e até onde e para onde estamos a ir?
Nos últimos anos, Portugal foi um dos países da Europa que mais gastou em saúde em percentagem do PIB. Este dado tem servido de argumento para sustentar uma linha de pensamento que defende cortes severos no SNS. De facto, Portugal é o sétimo país da União Europeia com maior despesa em percentagem do PIB, mas mais preocupante do que os dados sobre o passado é o que podemos esperar do futuro. 
Sabendo que os idosos são o grupo etário com maior consumo de cuidados de saúde, quando olhamos para os dados do INE verificamos que nunca foi tão elevado o número de portugueses na faixa etária entre os 65-69 anos (645159 indivíduos). Mas se estes são os potenciais consumidores de cuidados de saúde, no grupo etário anterior 60-64 temos um novo máximo, com mais de 600 mil cidadãos. Se a estes dados alarmantes juntarmos o facto de a ciência médica ter conseguido aumentar a esperança média de vida em um ano a cada cinco, temos uma combinação absolutamente explosiva: maior número de consumidores de saúde, consumo de cuidados de saúde durante mais tempo, técnicas utilizadas na prestação de serviços de saúde mais caras e os consumidores de cuidados de saúde são cada vez mais carenciados devido à recessão económica que vivemos. Assim, é de forma dramática que assistimos a uma diminuição da base da pirâmide etária - correspondente à população mais jovem - e, em contrapartida, a um alargamento do seu topo - correspondendo à população mais idosa.
Tendo em conta os motivos expostos anteriormente, importa perceber como foram capazes os países do centro e do norte da Europa de sobreviver ao seu envelhecimento populacional. A primeira explicação é económica: embora alguns países tenham uma pirâmide etária dos nativos invertida, como o é caso português, foram capazes de importar jovens, em muitos casos, diga-se, os nossos próprios jovens, para equilibrar a sua estrutura etária. Mas tal feito só foi possível porque monstraram economias fortes, capazes de atrair imigração e gerar crescimento que lhes permite hoje gastarem significativamente mais com cada cidadão sem que isso tenha um peso expressivo no seu PIB. 
Para além disto, a má qualidade da distribuição dos recursos é outro fator a ter em conta. Os países nórdicos apostam, desde há décadas, nos cuidados primários e terciários em detrimento dos cuidados secundários, que são cada vez mais dispendiosos. De facto, em Portugal, os cuidados primários representam 2,1% do total de despesa e os terciários 1,4%, sendo que os cuidados secundários representam em Portugal 62% das despesas, segundo dados da OCDE. Quando comparamos estes dados com a Dinamarca (primários 2,3%, secundários 55%, terciários 24,4%), verificamos a forte enfatização dos cuidados hospitalares no nosso SNS mas também a elevada despesa com equipamentos, medicamentos e serviços de apoio (35% contra 19%).
Podemos assim constatar que a hospitalização do nosso SNS deu origem a um caos organizacional com mais de 5000 funcionários, com centenas de linhas de produção, com fortes deseconomias de escala, de difícil gestão e pouco especializados. Esses pontos foram precisamente focados pelo relatório para a reorganização hospitalar. Simultaneamente, embora se multipliquem os institutos anexos ao ministério da saúde, não há um planeamento consistente, como acontece com o NICE, no Reino Unido, reunindo um conjunto de economistas de saúde com a única função de aumentar a eficiência e qualidade do sistema.
Em suma, os portugueses despendem um enorme esforço face à capacidade da sua economia na saúde dos seus cidadãos, sem que com isso consigam atingir resultados de destaque a nível europeu. Existem fortes restrições económicas, de gestão e de política de saúde que condicionam os resultados obtidos e fazem com que haja um desfasamento significativo entre o que os portugueses recebem e aquilo que são obrigados a contribuir para o seu SNS!

Rui Barbosa

Bibliografia:
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_p_etarias&menuBOUI=13707095&contexto=pe&selTab=tab4

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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