quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Mundo ligado à corrente

No que diz respeito aos carros elétricos, Portugal inclui-se no “clube” dos países ricos da Europa. Segundo dados publicados pela ACEA (European Automobile Manufacturers’ Association), as vendas de carros elétricos, em 2018, em Portugal dispararam 95% face a 2017, passando respetivamente de 4237 para 8241 automóveis elétricos ligeiros de passageiros vendidos. Embora o PIB per capita português se situe apenas na ordem dos 19 500€, este possui uma quota de mercado de carros elétricos de 3,5%. Esta fração consegue superar os 2% e os 0,9% da quota de mercado de carros elétricos da Suíça e da nossa vizinha Espanha, e até mesmo os 3,2% Alemães. Mas até que ponto serão estes carros elétricos uma alternativa mais sustentável relativamente aos tradicionais veículos a gasóleo ou gasolina?
 De acordo com o último relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA), este tipo de veículo são melhores para o ambiente e para a qualidade do ar durante o seu ciclo de vida, porém, na fase de produção, nomeadamente das suas baterias, é necessária a extração e processamento de cobre, níquel e outras matérias-primas que são fontes altamente prejudiciais para a nossa camada de ozono, devido à quantidade de gases de efeito de estufa que são emitidas. Também um estudo realizado recentemente pelo IVL (Instituto Sueco de Pesquisa Ambiental) demonstrou que a simples produção das baterias tem um impacto ambiental semelhante a conduzir um automóvel a gasolina durante vários anos. Segundo esse estudo «A produção das baterias de lítio corresponde a emissões de 150-200 kg de dióxido de carbono por cada kWh de energia gerada pela bateria. (…) Isto significa que um automóvel a gasolina com emissões de 120 g/km necessita de percorrer 125 mil quilómetros para emitir a mesma quantidade de dióxido de carbono que um Tesla com bateria de 100 kWh». Esse risco é reconhecido pelo secretário-geral da ACAP (Associação Do Comércio Automóvel De Portugal), que lembrou ao jornal i que «a maioria dos carros elétricos são produzidos na China e que a componente ambiental não é tida em conta no momento do fabrico».
É importante ainda referir que nestes dados estão omissos os problemas de poluição das águas aquando da extração dos minérios e a questão da reciclagem das baterias, que ainda só é feita a 50%. Em termos económicos, pode ainda existir a desvantagem relacionada com a dependência estratégica de países detentores destas matérias-primas, não sendo Portugal indiferente a esta questão (dado que está no top 10 mundial das reservas de lítio). Assim, embora o uso dos carros elétricos tenha de facto benefícios ambientais no dia-a-dia, o perigo destes veículos encontra-se na sua origem.
E quanto ao uso dos carros a gasolina ou a diesel? Neste caso, o problema já é outro. Embora o seu fabrico não seja tão poluente, é no seu uso diário que está a raiz do problema, e viver num mundo capitalista como é o nosso não o suaviza. Apesar do esforço internacional para travar o aquecimento global e da legislação implementada em 2009 no pacote de medidas “euro 5” (que estabelece a obrigatoriedade dos automóveis a gasóleo circularem com um filtro de partículas), o uso de filtros das partículas nos carros a diesel, que retêm quase 80% das emissões produzidas pelo escape de um automóvel a gasóleo, não parece ser uma opção viável, pelo menos para os portugueses devido ao peso que a manutenção deste componente representa na carteira do condutor, à falta de regulamentação e ao atraso da implementação da legislação portuguesa, que ainda permite aos centros de inspeção automóvel aplicar um despacho de 1999 (que atualiza os limites máximos a aplicar nas inspeções técnicas). «Para evitar pagar 1000€ na aplicação de um novo filtro, muitos proprietários preferem pagar 400€ a uma oficina para retirar esse mesmo filtro» (“Público”, 3 de junho).
Face a esta realidade, a conservação do planeta parece impossível no movimentado quotidiano atual. A meu ver, uma opção mais sustentável seria o recurso a práticas mais rudimentares, tais como as caminhadas, o ciclismo ou os transportes públicos, contudo estas representam um custo de oportunidade muito elevado por parte dos indivíduos. Este custo pode ser reduzido a partir da criação de um sistema de transportes mais eficiente, que permitisse a redução do número de veículos em circulação através de uma rede de partilha e coordenação das informações das rotinas dos diversos usuários. Mas seria o humano capaz de criar tal sistema? E, se sim, estaria o leitor disposto a sacrificar parte da sua privacidade em prol do futuro da humanidade?

Cristiana Gião

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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