Até há pouco tempo, eram somente os países menos desenvolvidos que tinham de ceder e viver sujeitos aos caprichos dos mercados internacionais. Contudo, agora, a força dos mercados faz-se sentir nas regiões mais ricas, nomeadamente, na Zona Euro.
Foram as flutuações desses mercados que desencadearam a actual crise e, agora… a austeridade é a palavra de ordem. Estamos hoje a apreender aquilo que os países mais pobres foram os primeiros a sentir: os investidores internacionais que negoceiam em obrigações determinam, em grande medida, qual o tipo de políticas económicas e sociais que os governos democráticos podem tomar.
A Zona Euro para tranquilizar os mercados tem seguido aquilo que Paul Krugman, num artigo publicado em 2011 no The New York Times, designa por estoicismo. As economias europeias em dificuldades (Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha) estão a acalmar os credores demonstrando a sua disposição para sofrer e evitar o incumprimento. Aceitando programas de assistência financeira que se traduzem por um período de grande austeridade orçamental, com uma descida progressiva dos salários, numa tentativa de recuperar a competitividade, ou seja, adoptam uma política de desvalorização interna.
A austeridade orçamental, assente em grandes cortes na despesa e aumentos significativos da receita (através do incremento da carga tributária), tem custos elevadíssimos que se refletem em quedas significativas da produção e do emprego. De facto, em 2011, segundo dados do Eurostat, a Grécia (que atravessa desde 2010 um período de severa austeridade) registou uma contracção do PIB na ordem dos 6,9% e um aumento da taxa de desemprego para 25,4% em agosto deste ano, uma subida de 7 p.p, em termos homólogos1.
O impacto da austeridade no crescimento tem sido mais significativo que o esperado. Efectivamente, as autoridades europeias (BCE e Comissão Europeia) e o FMI (Fundo Monetário Internacional) acabaram por chegar à conclusão de que os pacotes de resgate concedidos à Grécia não estão a dar os resultados esperados, nem mesmo após o perdão de 50% da dívida – ou seja, não são suficientes para evitar default da dívida soberana e permitir a reentrada da Grécia nos mercados. Este desfecho traduz péssimo augúrio para a operações de resgate traçadas para Portugal e para a Irlanda.
O FMI admitiu, há cerca de um mês, que tinha subavaliado o impacto da austeridade no crescimento – que o impacto de 1% de austeridade não era de 0,5% no crescimento, como se
acreditava, mas sim de 0,9% a 1.7%. Para o FMI os países sob programas de assistência não devem optar por adiar as medidas de austeridade nem as medidas de reestruturação económica contudo, para o sucesso dos programas, o FMI tem afirmado, neste último mês, a necessidade de existirem simultaneamente medidas de estímulo e incentivo à actividade económica.
Em sentido contrário, Bruxelas afirma que as contas de Oliver Blanchard, o economista-chefe do FMI e um dos economistas mais reputados do mundo, estão erradas. De acordo com Bruxelas o intervalo adequado para o multiplicador é de 0,5% - 0,7%, e responsabiliza o pânico nos mercados pelos efeitos secundários que inibem o crescimento económico. Para Olli Rehn, comissário europeu para os assuntos económicos e monetários, a única forma de responder a esse pânico é com mais austeridade para dar confiança aos investidores: “Para países mais vulneráveis, a exposição a pressões financeiras dos mercados significa que não existe alternativa a perseguir medidas de consolidação orçamental”.
De momento, a nível nacional, discute-se o orçamento de estado para 2013 (OE13). No ano de 2011, Portugal viu-se na necessidade de solicitar ajuda externa internacional e a adoptar um conjunto de medidas de consolidação orçamental. Desde então que assistimos a um aumento significativo da dos impostos e a um conjunto de cortes na despesa. Para 2013 espera-se mais austeridade, de acordo com o Ministro das Finanças Vitor Gaspar um aumento “brutal” da carga fiscal. Efectivamente, no OE13 está presente um aumento bastante pronunciado dos impostos, dos quais se destaca a subida das taxas de IRS, IRC e do IMI e ainda um imposto extraordinário de 4% que incide sobre o salário líquido. Ao nível da despesa destacam-se os cortes nos apoios sociais (corte nos subsídios de desemprego e doença de 6% e 5%, repectivamente), a redução de 50% do número de trabalhadores a contrato resolutivo e ainda cortes na generalidade dos sectores do estado (educação, saúde, justiça,…)
Os resultados das políticas de consolidação orçamental traduzem-se, em Portugal e segundo dados da Comissão Europeia, por uma contracção do PIB em 2011 de -1,8% e uma previsão de -3% para 2012. Em termos salariais, segundo a mesma fonte, em 2012 os salários reais caíram cerca de 5,1%. Contudo, os efeitos das medidas de austeridade parecem não estar a ter os resultados esperados, nomeadamente, do lado da receita. Em consequência, as metas previstas no programa de assistência para o défice de 2012 foram revistas, de 4,5% para os 5%. Mas, e segundo os últimos dados de execução orçamental, até Setembro a receita fiscal caiu 4,9%, o que coloca mesmo em causa o cumprimento desta última meta.
Parece óbvio que as políticas de austeridade não estão a ter os resultados esperados. Os efeitos multiplicadores negativos de grandes cortes de despesa (que induzem um descida do rendimento das famílias e, portanto, das suas despesas, o que retarda o crescimento do PIB) parecem ter sido
subavaliados. Os dados enunciados demonstram precisamente que os resultados da austeridade estão muito aquém do esperado. Na Grécia a queda do produto e do emprego atinge níveis dramáticos e em Portugal a queda significativa das receitas ficais parece indicar que o limite já foi atingido.
Para o FMI, como já explanado, as medidas de austeridade devem ser acompanhadas por uma componente de incentivo e estimulo à actividade económica. No entanto, para a Comissão Europeia os resultados alcançados pelas medidas de consolidação orçamental só demonstram a necessidade de mais e mais austeridade.
A Zona Euro e os mercados financeiros parecem ter embarcado num jogo complexo, no qual cada governo tenta emitir os “sinais certos” – e os melhores sinais são, em geral, cortes drásticos na despesa, aumento de impostos e repudiar qualquer adopção de medidas de incentivo à economia -, enquanto que o mercado decide o que estes significam.
As evidências demonstram a necessidade de complementar as medidas de austeridade com programas de incentivo e estímulo económico. Não há soluções fáceis e os prémios de risco pagos pelos países fortemente endividados que tentam emitir novos títulos de dívida deverão manter-se elevados enquanto a austeridade continuar a ser a única e principal opção. A Zona Euro deve prestar atenção aos resultados das políticas de austeridade, antes que a actual situação se deteriore e arraste as pessoas para a rua.
Ricardo Rui da Costa
1- Números sazonalmente ajustados. Fonte: Autoridade Helénica de Estatísticas (Elstat)
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