quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Gestão Estratégica da Crise

Tem existido no nosso país alguma dificuldade em aceitar o rígido e difícil caminho que temos pela frente e em assimilar que estamos numa situação muito frágil e dependentes de instituições externas.
            Tem existido, igualmente, uma notável dificuldade na proposta de alternativas exequíveis por parte daqueles que quase todos os dias criticam duramente o rumo seguido atualmente. De facto, as únicas propostas de coerência assinalável são a de mudança do governo, a de saída do euro e a da renegociação do memorando ou até da dívida. A primeira, para além de não implicar necessariamente uma mudança de políticas tem consequências imprevisíveis do ponto de vista da paz social e da nossa reputação junto dos nossos financiadores. A segunda acarreta consequências económicas e socias potencialmente ruinosas, uma vez que até então nenhum sinal parece fazer julgar possível uma saída organizada, ou seja, financiada, do euro, tal como proposta por João Ferreira do Amaral (aliás, o próprio autor da proposta reconhece que ela só é desejável sob as condições referidas). A terceira parece ser necessária, apesar de me parecer igualmente necessário que a iniciativa de renegociação do memorando (ou até mesmo da dívida pública) seja dos credores e não do governo. Declarações do governo nesse sentido abalariam ainda mais a reputação do nosso país nos mercados financeiros e poderiam ser o mote para manifestações sociais e instabilidade política, visto estar claro que a oposição se aproveitaria do acontecimento para atacar o governo.
            Os tempos mais recentes têm deixado evidente que o programa de ajustamento levado a cabo não tem tido e possivelmente não irá nunca ter a eficácia desejada ao nível da consolidação orçamental o que, ao que tudo indica, se deve ao facto dos efeitos recessivos que a austeridade tem tido na atual conjuntura terem sido inicialmente subestimados, o que implicou uma queda da maioria dos componentes da receita fiscal (o IRS, visto não estar diretamente depende do consumo é a exceção à regra) e um aumento do desemprego maior do que o inicialmente previsto. É isso que nos diz uma recente publicação do FMI: que o multiplicador fiscal no atual contexto amplamente recessivo pode chegar a ser o dobro do previsto inicialmente.
            Tem havido, no decorrer do plano de ajustamento, margem para críticas ao governo. A que parece mais evidente é a de que a redução da despesa em componentes orçamentais que não têm um tão forte impacto recessivo e que convenceriam os cidadãos da existência de uma maior equidade na distribuição de sacrifícios tem sido insuficiente: refiro-me sobretudo a consumos intermédios, despesas associadas às rendas das PPP’s, despesas administrativas das Administrações Públicas e despesas partidárias. Outra crítica que pode ser feita tem que ver com a falta de qualidade do serviço de informação e esclarecimento dos cidadãos fornecido pelo governo. Se ainda há uma considerável fatia da população que parece não entender com razoável clareza o estado crítico e sensível do nosso país, parte da responsabilidade por tal tem de ser imputada ao governo. Esta componente não deve ser desvalorizada, uma vez que a estabilidade política e democrática, tal como a acalmia social podem estar muito relacionadas com a perceção dos acontecimentos e a compreensão das escolhas feitas pelo governo por parte dos cidadãos. Uma última crítica, ainda que não necessariamente relacionada com o curto prazo, é a constatação da ausência de reformas estruturais de magnitude referidas no início do mandato, capazes de promover a competitividade e o emprego no longo prazo.
            No entanto, mostrando-se seriamente comprometido com a execução do plano de ajustamento e devidamente crente no mesmo, o atual governo tem igualmente tido os seus méritos. A balança de bens e serviços está reequilibrada, apesar de podermos justamente considerar que tal se deve em grande parte à perda de rendimento e não à melhoria da qualidade dos bens substitutos das importações e dos bens exportados. Os juros dos títulos da nossa dívida pública têm baixado, o que demostra que os mercados financeiros estão a reconhecer o nosso esforço de consolidação orçamental e o nosso comprometimento com a execução do plano de ajustamento, ainda que haja sinais de que a consolidação orçamental não vá atingir os objetivos fixados. Esta, juntamente com feedbacks positivos da Troika, é uma prova de que temos conquistado credibilidade junto dos atuais credores e de potenciais financiadores, e isto é algo absolutamente essencial.
            O caminho que temos de percorrer é longo e está em grande medida ainda por definir, quer rumo à consolidação orçamental, quer rumo à sustentabilidade da dívida pública, quer rumo às mudanças estruturais necessárias ao aumento da competitividade e ao regresso de algum crescimento sustentado. No entanto, no curto prazo temos de entender que a boa imagem e credibilidade junto das instituições responsáveis pelo plano de ajustamento e dos mercados financeiros, que nos permita continuar a aceder a financiamento, é uma espécie de condição absolutamente necessária à subsistência da nossa economia. Se o acesso ao financiamento cessasse, instalar-se-ia o caos no país. Para que tal não aconteça, os financiadores têm de estar convencidos do nosso total comprometimento no cumprimento do plano de ajustamento e da nossa crença nos seus frutos, mesmo que para tal tenha de haver algum fingimento por parte do governo: continuar a mostrar-se crente, mesmo começando a ter motivos para não o estar.
            Estamos prestes a receber novamente a Troika no nosso país, e da parte do FMI começam a chegar feedbacks de uma certa descrença no programa em execução. Este pode ser um sinal de que algumas alterações ao mesmo poderão surgir, se não agora, no espaço de alguns meses. Podem ser sinais positivos, uma vez que no meu entender, é da conclusão, por parte da Troika, de que o programa não é eficaz que deve surgir a motivação para qualquer tipo de alterações no mesmo. O governo, não deve fazer nada que afete a credibilidade do seu esforço e a imagem de “bom aluno” do país, até porque algumas mudanças terão necessariamente de vir, mais tarde ou mais cedo. Entretanto, internamente, deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para manter a população o menos insatisfeita possível, podendo para tal adotar algumas das ideias acima referidas. Julgo que ao momento esta é a forma mais sensata e isenta de risco disponível para conduzir o processo em que nos encontramos.
           
João Luís Oliveira Martins

Fontes consultadas
http://www.dgo.pt
http://www.imf.org

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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