‘Pé de meia’, quem já não ouviu esta expressão ao jantar, em conversa com os pais, o dinheiro posto de parte para uma eventual necessidade futura. Ainda que seja uma preocupação para a maioria dos portugueses (62,3%), os mesmos reconhecem que no atual contexto dificilmente conseguirão aumentar a sua taxa de poupança. Será que este contexto em que vivemos vai abalar a vontade de poupar? Será que conseguimos sacrificar os nossos próprios hábitos de consumo, ou a poupança e a crise são conceitos impossíveis de conciliar?
O ambiente de crise que vivemos em Portugal, desde 2008, parece que fez um efeito de ‘click’ na consciência dos portugueses para a necessidade de poupar. No início do seculo XXI, a taxa de poupança estava nos 10,7%, em 2007 desceu até aos 7%, e apesar de uma recuperação em 2009, esta taxa continuou a estar abaixo dos 2 dígitos. Isto é especialmente relevante se repararmos que desde os anos 80 os portugueses vinham a alocar uma parcela cada vez menor do seu rendimento disponível para a poupança: segundo dados do INE, verificou-se uma diminuição de 24,8% em 1972, para 20% em meados de 1980. Para este triénio (2011, 2012 e 2013), a taxa de poupança em Portugal foi de 9,7% em 2011. Para o presente ano, o Banco de Portugal prevê ainda uma descida de 2 décimas e uma recuperação de 1 ponto percentual em 2013.
Neste momento, é inequívoco e amplamente percebido pelos portugueses, que o que se aproxima é um cenário ‘negro’ de agravamento da crise, o que revela uma mudança no horizonte temporal das suas preocupações. A preocupação em ter o tal ‘pé de meia’ e a ansiedade com a reforma são indicadores que sofreram um claro agravamento ao longo do ano de 2010, demonstrando um refluxo das expectativas das ultimas décadas e uma grande inquietação quanto à capacidade futura do Estado Social. Segundo o Dr. Bagão Felix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, o contexto atual serve de ensinamento para as gerações mais novas, despertando-as para uma cultura de maior prudência, de mais responsabilização pessoal e familiar e de partilha de riscos. Apesar deste fator importante como a consciência, a poupança também depende das políticas publicas que deviam isentar a poupança, ou seja, teria sido bom que sobre os juros dos depósitos e dos certificados de aforro não tivesse havido agravamento fiscal.
Temos que estar preparados para uma ‘nova realidade’, uma realidade em que a poupança vai estar assente em novas necessidades, como por exemplo, a necessidade de poupar para a Reforma (que será cada vez menor), a necessidade de poupar para a Saúde (que será cada vez mais cara), e mesmo a necessidade de poupar para lidar com contextos de desemprego, pois agora a ideia de um emprego para a vida está a esfumar-se.
Não existe melhor altura do que esta para falarmos de poupança, com o aproximar do Natal. Será que os portugueses vão ser mais contidos nos gastos, ou vão ceder ao consumismo? Sinceramente, a impulsividade em tempo de festa tem sido realmente o comportamento predominante nos últimos anos.
Contudo, apesar de se tratar de um processo difícil, que leva algum tempo, pois estamos a falar de uma mudança de mentalidades, acreditamos que a alteração de alguns pressupostos que suportavam esse modelo de conforto vai mesmo impor mudanças no que à poupança diz respeito. Novas necessidades vão ser descobertas para essa poupança, e quando isso acontecer, a poupança deixará de ser o que sobra do consumo, para passar a ser uma prioridade para todos nós, um objetivo, um esforço planeado de longo prazo. Certamente que os mercados se vão ajustar a esta nova realidade, iremos ter melhores aforradores e neste contexto de políticas públicas e do mercado bancário, existirá uma nova relação com soluções de poupança.
Não será já amanhã que a poupança vai aumentar, pois com o agravamento dos impostos e redução de salários, o aumento da poupança é um objetivo difícil de alcançar no curto prazo, grande parte dos portugueses não tem dinheiro para necessidades básicas, como alimentação, quanto mais falar-lhes de por dinheiro de parte. Nestas condições, teremos que ser um pouco ‘Adam Smith(es)’, ou seja, terá que ser um processo gradual, que terá que fazer o seu próprio caminho…
Jorge Meirim
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