Lembra-se daquela figura dócil de barbas
brancas e vestes vermelhas, que à meia-noite entrava nas nossas casas e deixava
os presentes que eram o motivo do nosso eufórico festim na madrugada seguinte?
Quantas vezes reencaminhamos uma carta, em
meio de reclamação, mostrando o nosso descontentamento por o Pai Natal nem
sempre corresponder exactamente aos nossos pedidos?
Este ano, muitas crianças sujeitam-se a nem
ter, mesmo, uma breve visita desta figura paternalista.
Durante os últimos tempos, especialmente ao
longo das últimas duas décadas, o endividamento das famílias tem vindo a tomar
proporções exarcebadas.
Se em 1990 o endividamento dos particulares
representava 20% do rendimento disponível, em 2004 era já de 118% e em 2009 de
131%. É, no entanto, de salientar que embora os últimos dois anos tenham sido
marcadamente caracterizados pela redução do rendimento disponível, associado à
quebra das remunerações e das prestações sociais e ao agravamento da carga
fiscal, e pela redução ligeira da taxa de poupança, constatou-se uma maior
preocupação na resolução da problemática do endividamento. Por exemplo, no ano
transacto o rácio do endividamento dos particulares sobre o rendimento
disponível tomava os 126%.
Na causa da deflagração dos números supracitados pode enunciar-se: o apelo agressivo ao consumo (compra de bens
supérfluos); a falta de análise sobre o orçamento familiar antes de estabelecer
um contrato; a instabilidade no emprego e no mercado financeiro; a alteração
dos padrões de consumo das famílias portuguesas; e, sobretudo, a extrema facilidade de acesso ao crédito que se tem vindo
a sentir, entre a qual os cartões de crédito (muitas vezes mais do que um) e os
créditos pré-aprovados que os bancos enviam para casa, assumem uma posição de
destaque. Enquanto que falar em crédito ao consumo há 20 anos era impensável
(não existiam ainda outras instituições financeiras e a banca não
disponibilizava dinheiro com o fim do consumo), actualmente as pessoas chegam
mesmo a pedir novos empréstimos para pagar os antigos. No caso dos cartões de
crédito, o facto de as famílias irem usando os plafonds e, enquanto
isso, as próprias entidades financeiras irem aumentando os limites de crédito,
levam à tentação de gastar mais e mais.
Segundo a DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), todos os dias há o registo de novos pedidos de ajuda ao sobreendividamento
(destaque-se que o papel da DECO, nesta situação, não passa por emprestar ou ceder
dinheiro aos consumidores, mas sim, no caso em que o endividamento resulta de
causas especiais e imprevisíveis, mediar a relação entre o credor e o devedor,
ajustando o plano de pagamentos ou reestruturando a dívida, tendo por base o
conjunto dos rendimentos e das despesas do agregado familiar). O problema não
se restringe a famílias com rendimentos mais baixos, já que, ainda de acordo
com a organização, a procura de apoio ao sobreendividamento é proveniente das
distintas classes sociais.
A responsabilidade pode recair quer sobre as instituições
financeiras, que não cedem informações suficientes quanto às implicações do
crédito, quer sobre os consumidores, que negligenciam a sua capacidade de
cumprir as suas obrigações. Independentemente do arguido, os resultados não
poupam as vítimas. Diminuição
da poupança, sobrecaga laboral; penhora (casa, carro, ...), aumento da
criminalidade, rutura dos laços familiares (divórcio), doenças do foro
psicológico, impossibilidade de adquirir bens de primeira necessidade
(alimentares) são consequências que podem advir deste aumento do
sobreendividamento dos particulares.
É consensual que gastar e possuir luxos tornou-se um estigma
da sociedade independentemente de quais os meios que são utilizados para
atingir os fins. As pessoas compreendem a necessidade da poupança, mas uma
grande maioria ainda não é capaz de colocá-la em prática, quer por rendimentos
insuficientes, quer por indisposição para alterar os hábitos.
A resolução desta problemática passa, assim, não só por um
conjunto de medidas que venham restringir o acesso ao crédito, que fomentem as
campanhas informativas ou elevem o rendimento disponível, como também por uma
reestruturação da própria mentalidade dos portugueses.
Nunca é tarde para abandonarmos os nossos
preconceitos, basta ouvir a voz da vida: as crianças. Um sorriso de uma criança
não é mais do que suficiente para
declarar um ultimato ao estigma social? Ajudemos, então o Pai Natal a encontrar
o caminho de volta!
Quer
prevenir o endividamento? Eis aqui as dicas:
Ponderar bem
antes de gastar (é uma despesa necessária?);
Analisar o seu orçamento;
Determinar a sua capacidade de reembolso;
Constituir uma poupança prévia;
Estabelecer os seus limites;
Determinar o montante máximo de um empréstimo;
Ter em conta os custos associados à compra (é apenas o valor do bem, ou
acrescem-lhe outras despesas?);
Comparar os produtos/serviços (faça uma pesquisa antes de emagrecer a sua carteira);
Incluir na sua decisão de compra, os artigos em segunda mão (os produtos
transaccionados nestes mercados podem ser até 70% mais baratos do que o valor
original).
Sandra Maria Soares Ferreira
Bibliografia:
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