segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O monstro anda à solta

Decorria o ano de 2000 quando no dia 17 de Fevereiro foi publicado no jornal Diário de Notícias, pelo então ex-Primeiro Ministro Cavaco Silva, um artigo intitulado “O Monstro”. Nesta crónica, o autor salientava o aumento descontrolado da despesa pública em Portugal, sem que fosse evidenciada uma melhoria dos serviços públicos prestados à população. Com o decorrer do texto, é facilmente percetível uma crítica ao governo de esquerda em vigência na altura, liderado pelo Primeiro-Ministro António Guterres. A constante apreciação desfavorável à ideologia socialista, que apoiava o crescimento da despesa pública em ordem a uma redução das desigualdades é legitimada pelo autor com a crescente globalização e a integração económica e financeira. Cavaco Silva alegava fenómenos como a liberdade dos movimentos de capitais com o exterior e a concorrência fiscal entre os países, para explicar o crescente financiamento da despesa pública com impostos sobre o trabalho, em vez de esta ser paga com rendimentos provenientes do capital.                                                                            
Durante os anos 90, a despesa pública ultrapassou metade do PIB, ou seja, mais de metade da riqueza nacional era direcionada para o setor público. As despesas com os setores da Saúde, Educação e Segurança Social registaram um aumento de cerca de 50% nesta década, não se tendo verificado os efeitos esperados nestes três pilares do Estado-providência. O “monstro” revelou-se cada vez mais dispendioso, não coincidindo com benefícios proporcionais para os portugueses. A insustentabilidade da administração pública começou a ser arquitetada no mandato de Cavaco Silva, cuja passagem pelo governo coincidiu com a entrada de Portugal na União Europeia. O crédito fácil e os subsídios cedidos por Bruxelas foram aplicados em desconformidade com as necessidades do nosso país na altura. Assistiu-se a uma degradação dos setor agrícola e piscatório, como consequência de imposições da União Europeia, que presenteou o nosso governo com incentivos para o abate da frota pesqueira e para a diminuição das quotas de produção de alguns bens agrícolas.                   
Portugal é um dos países que mais sofre com oscilações do défice, chegando a atingir o preocupante valor de 9,4% do PIB, em 2009. A perda do controlo das contas públicas arruinou a credibilidade junto dos credores internacionais, que passaram a exigir um prémio maior para financiar a economia portuguesa. Os juros cada vez mais elevados desenvolveram um ciclo vicioso, criando uma espiral de endividamento até
 chegarmos à situação atual.
Hoje em dia, o estado não se consegue financiar nos mercados pelo que foi inevitável o recurso à assistência externa. A invasão da Troika em matéria de tomada de decisões no nosso país foi uma consequência da má gestão e dos problema estruturais verificados, que vinham sendo mascarados com aumentos da dívida. As modificações implementadas no sistema de saúde e na segurança social, aquando da passagem do “pai do monstro” por São Bento são insustentáveis. Estes setores são precisamente aqueles onde o atual Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, pretende instaurar reformas, que visam essencialmente uma diminuição da despesa. Neste contexto, o atual Presidente da República tem pela frente uma decisão difícil: juntar-se à oposição e não permitir mais cortes nos serviços providenciados pelo Estado, fazendo frente ao governo e à Troika; ou deixar que a pedra atirada por si próprio caia sobre o seu telhado de vidro, voltando assim atrás nas suas afirmações.
Apesar de o provável “pai do monstro” da despesa pública ser Cavaco Silva, este não pode ser o único responsável pela situação atual. O sonho da entrada de Portugal na União Europeia, em que todos os portugueses poderiam ter uma vida acima da média, rapidamente se esfumou e se traduziu em pesadelo. A oportunidade foi dada ao nosso país, no entanto esta não foi aproveitada da melhor forma e em conformidade com as necessidades de todos os habitantes. É caso para dizer que tivemos o pássaro na mão mas não a agarramos. Agora o monstro anda à solta e é necessário um sacrifício de todos para o domar. Pudesse Portugal pagar de outra forma…    
           
Francisco Moura 

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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