Decorria o ano de 2000 quando no dia
17 de Fevereiro foi publicado no jornal Diário de Notícias, pelo então
ex-Primeiro Ministro Cavaco Silva, um artigo intitulado “O Monstro”. Nesta
crónica, o autor salientava o aumento descontrolado da despesa pública em
Portugal, sem que fosse evidenciada uma melhoria dos serviços públicos
prestados à população. Com o decorrer do texto, é facilmente percetível uma
crítica ao governo de esquerda em vigência na altura, liderado pelo
Primeiro-Ministro António Guterres. A constante apreciação desfavorável à
ideologia socialista, que apoiava o crescimento da despesa pública em ordem a
uma redução das desigualdades é legitimada pelo autor com a crescente
globalização e a integração económica e financeira. Cavaco Silva alegava
fenómenos como a liberdade dos movimentos de capitais com o exterior e a
concorrência fiscal entre os países, para explicar o crescente financiamento da
despesa pública com impostos sobre o trabalho, em vez de esta ser paga com
rendimentos provenientes do capital.
Durante
os anos 90, a
despesa pública ultrapassou metade do PIB, ou seja, mais de metade da riqueza
nacional era direcionada para o setor público. As despesas com os setores da
Saúde, Educação e Segurança Social registaram um aumento de cerca de 50% nesta
década, não se tendo verificado os efeitos esperados nestes três pilares do
Estado-providência. O “monstro” revelou-se cada vez mais dispendioso, não
coincidindo com benefícios proporcionais para os portugueses. A
insustentabilidade da administração pública começou a ser arquitetada no
mandato de Cavaco Silva, cuja passagem pelo governo coincidiu com a entrada de
Portugal na União Europeia. O crédito fácil e os subsídios cedidos por Bruxelas
foram aplicados em desconformidade com as necessidades do nosso país na altura.
Assistiu-se a uma degradação dos setor agrícola e piscatório, como consequência
de imposições da União Europeia, que presenteou o nosso governo com incentivos
para o abate da frota pesqueira e para a diminuição das quotas de produção de
alguns bens agrícolas.
Portugal é um dos países que mais
sofre com oscilações do défice, chegando a atingir o preocupante valor de 9,4%
do PIB, em 2009. A
perda do controlo das contas públicas arruinou a credibilidade junto dos
credores internacionais, que passaram a exigir um prémio maior para financiar a
economia portuguesa. Os juros cada vez mais elevados desenvolveram um ciclo
vicioso, criando uma espiral de endividamento até
chegarmos à situação atual.
Hoje em dia, o estado não se consegue
financiar nos mercados pelo que foi inevitável o recurso à assistência externa.
A invasão da Troika em matéria de tomada de decisões no nosso país foi uma
consequência da má gestão e dos problema estruturais verificados, que vinham
sendo mascarados com aumentos da dívida. As modificações implementadas no
sistema de saúde e na segurança social, aquando da passagem do “pai do monstro”
por São Bento são insustentáveis. Estes setores são precisamente aqueles onde o
atual Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, pretende instaurar reformas, que
visam essencialmente uma diminuição da despesa. Neste contexto, o atual
Presidente da República tem pela frente uma decisão difícil: juntar-se à
oposição e não permitir mais cortes nos serviços providenciados pelo Estado,
fazendo frente ao governo e à Troika; ou deixar que a pedra atirada por si
próprio caia sobre o seu telhado de vidro, voltando assim atrás nas suas
afirmações.
Apesar de o provável “pai do monstro”
da despesa pública ser Cavaco Silva, este não pode ser o único responsável pela
situação atual. O sonho da entrada de Portugal na União Europeia, em que todos
os portugueses poderiam ter uma vida acima da média, rapidamente se esfumou e
se traduziu em pesadelo. A
oportunidade foi dada ao nosso país, no entanto esta não foi aproveitada da
melhor forma e em conformidade com as necessidades de todos os habitantes. É
caso para dizer que tivemos o pássaro na mão mas não a agarramos. Agora o
monstro anda à solta e é necessário um sacrifício de todos para o domar.
Pudesse Portugal pagar de outra forma…
Francisco Moura
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