Numa época de avanços,
onde são quebradas barreiras de desigualdades, tabus, preconceitos, eis que
surge uma notícia que me deixa a pensar que a mentalidade do século XXI não
está assim tão "modernizada” ou que, pelo menos, existem algumas que ficam
completamente estagnadas, não conseguindo acompanhar a evolução dos tempos. Uma
dessas mentalidades que ficou presa no tempo é a de um senhor chamado Neto de
Moura, nome que não é de todo desconhecido dos portugueses e que nas últimas
semanas badalou a imprensa.
Trata-se de, mais um, caso de violência doméstica, em que a
vítima foi agredida pelo ex-marido e pelo homem com quem tinha mantido uma
relação extraconjugal (que motivou a separação do casal, meses antes da
agressão). Em Junho de 2015, depois de a mulher ser sequestrada pelo ex-amante,
que lhe pedia que retomassem a relação, o homem chamou o ex-cônjuge da vítima
para juntos a confrontarem. O confronto passou a uma violenta agressão, onde foi
mesmo usada uma “moca” com pregos.
O Juiz Neto de Moura,
no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, confirmou a condenação destes dois
homens a penas suspensas. O acórdão foi
também assinado por uma mulher, sim uma mulher, Maria Luísa Arantes. Num
país manchado por casos de violência doméstica e, sendo eu uma feminista, que
condena não os homens, mas sim a violência doméstica, e sendo também o
feminismo um meio para combater comportamentos abusivos deste tipo, repudio completamente esta atitude.
E o porquê desta
decisão de suspender a pena? Entendeu ele que o fato de a mulher ser adúltera é
uma justificação para o ato de violência dos dois homens.
Confesso que fiquei até
abismada com algumas das citações que encontrei do acórdão: “Ora, o adultério da mulher é um
gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a
mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a
mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a
lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que,
achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”.
A referência bíblica é obsoleta num acórdão de justiça que
deve zelar pelo cumprimento de uma constituição que repudia qualquer forma de
violência, independentemente da justificação que pode ser dada.
O que está errado no acórdão não é o facto de o juiz ser
machista, é o julgamento de valores morais num local onde o que deve ser
julgado são ações criminosas, como a violência. Ali não se espera saber se o
que a mulher fez foi certo ou errado, porque se trata de uma falha não punível
na lei. Juízos de valor fazem-se num café, num tribunal faz-se justiça! Além
disso, o feminismo não defende a supremacia das mulheres. Defende a igualdade
de género.
Será que o adultério, quando praticado por um homem,
justifica uma agressão? É aceitável uma mulher bater num homem porque este a
traiu?
Sei que eu e a minha opinião não caminham sozinhas, visto
que a associação feminista As capazes assinaram
uma carta
aberta intitulada Essa Mulher Somos Nós, que
teve mais de 4.000 assinaturas na Internet. Nessa mesma carta, esta
associação expressa a vontade da Procuradora-Geral da República (PGR) de usar "todos os meios
processuais ao seu dispor para fazer sindicar a constitucionalidade da
interpretação normativa acolhida pelo referido acórdão, designadamente,
mediante recurso para o Tribunal Constitucional".
O meu desejo? Que haja mais
associações como esta, com o objetivo de promover e sensibilizar a sociedade
para a igualdade de géneros. E para os juízes do acórdão? Que façam um
“update”, porque estamos no século XXI.
Ana Isabel
Fernandes Oliveira
Referências
bibliográficas
https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2016.pdf
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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