Para
selar o acordo de governação na Câmara Municipal de Lisboa e ter maioria
absoluta, o presidente eleito da capital atribuiu o pelouro da educação ao
vereador eleito pelo BE, que se apressou a apresentar a sua proposta de
campanha: manuais escolares gratuitos para todos os alunos do ensino
obrigatório (25000). Custo: 5 milhões de Euros por ano.
Na
minha opinião, essas medidas de oferta dos manuais escolares por parte dos
dirigentes políticos mostra a pobreza dos nossos governantes e, uma vez que ela
foi amplamente aplaudida pela maioria dos agentes económicos e sociais, revela
uma enorme falta de sentido crítico dos mesmos.
Até
há muito pouco tempo, o encargo dos manuais recaia exclusivamente sobre os
encarregados de educação, que chegavam ao final do mês de agosto e suportavam o
“imposto do manual”, lobby das editoras.
Os mais necessitados tinham os livros oferecidos, outros tinham alguns livros
oferecidos, outros ainda tinham de adquiri-los todos. Vigorava o princípio do
utilizador pagador. Fazia algum sentido. Já nessa altura o Estado, através dos
seus decisores, falhou. Promoveu um dos negócios mais lucrativos, a edição de
Manuais Escolares, e incentivou o crescimento da indústria da celulose, que
necessitou de obter cada vez mais matéria-prima.
Cresci
num país mais rico do que Portugal. Nunca comprei um manual escolar até ao décimo
ano porque a escola mos emprestava, e mesmo quando os meus pais tiveram que os
comprar, a própria escola organizava uma feira de trocas. Cheguei a reutilizar
livros com seis anos de uso, mas que se encontravam em boas condições. Desenvolvi
competências diferentes daqueles que vieram a seguir a mim, e dos que me
antecederam. Respeitava os livros porque tinha de os estimar e de os poupar. Era
uma vergonha se os meus pais tivessem de pagar algum livro estragado… só porque
não tinha tido cuidado.
Hoje,
o estado, que começou por oferecer os manuais do primeiro ano em 2016, aumentou
as “ofertas” para todo o primeiro ciclo já em 2017. Nessas idades, porque toda
gente o permite (e até o encoraja), os pequenos alunos escrevem nos livros. Logo
não são reutilizáveis. Não entendo porque é que os meninos até à quarta classe
não podem escrever num caderno ao lado!!! Provavelmente, a curto prazo, a
oferta vai abarcar o segundo e o terceiro ciclos. Se tudo correr bem, como
sinal de progresso, depois do 9º ano, o ensino tendencialmente gratuito, como
está plasmado na constituição, passará das intenções aos atos quando forem
oferecidos os manuais aos alunos do secundário.
Um
aluno tem aproximadamente 170 dias de aulas durante o ano letivo. Gastará entre
2 a 4 folhas de papel por dia a partir do quinto ano. Logo, o consumo de papel
poderá variar entre 350 e 700 folhas por ano para os alunos do segundo/terceiro
ciclo e secundário e cerca de metade no primeiro ciclo. Isso equivale a de 2 a
4 cadernos no primeiro ciclo e de 4 a 8 nos restantes (sem ser poupado). Teria
um custo inferior a €10 euros. Com manuais digitais, poupávamos milhões de
toneladas de papel por ano. As mochilas seriam mais leves e os bolsos ficariam
mais cheios.
Assim,
eu vou continuar a pagar manuais para os filhos dos outros (para estes, depois
de crescidos, irem tratar os velhotes dos países mais ricos à custa da educação
que todos nós ajudamos a pagar). Vou continuar a alimentar as indústrias de celulose
(e depois contribuir nas campanhas solidárias às populações devastadas pelos
fogos nos eucaliptais). Vou continuar a deixar os lobbies das editoras levar as exorbitâncias pelos manuais, pelos
cadernos de atividades, pelas fichas de apoio, pelos livros de preparação para
testes, pelos acessos digitais aos conteúdos multimédias, com a complacência e
até benevolência dos professores, dos diretores de escolas e daqueles que
mandam na educação deste país.
Para
isso, vou deixar de ter melhores transportes, ou equipamentos públicos, ou apoios
para os meus pais idosos, ou dinheiro para pagar aos jovens que saem da
universidade para tratar de todos e também de mim, ou dinheiro para dar aos
bombeiros para combater os incêndios, e aos ministros para comprar meios de
combate…
Mais
uma vez, vamos todos aplaudir a “gratuitidade” dos manuais escolares.
José Jacinto da Costa Correia
[artigo de opinião produzido no âmbito da
unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de
Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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