A análise à conjuntura económica de um país deve ser feita como um todo, e o melhor exemplo disso é a Irlanda. Seria fácil cair na tentação de observarmos o PIB irlandês e constatar que estaríamos perante uma grande economia europeia, quando comparado com o PIB dos restantes países. A Irlanda ocupa a segunda posição no ranking de PIB per capita da UE 27*, estando atrás apenas do Luxemburgo. Contudo, sabemos que, por norma, os valores do PIB e do PNB de um país não costumam ser muito diferentes. Tal não se verifica no caso irlandês.
Em 2019, o PIB per capita da Irlanda era 80,779$ e o
PNB per capita 63,530$**, o que
significa que o PIB per capita
irlandês era cerca de 1,27 vezes maior que o PNB per capita. Ou seja, a riqueza gerada no território irlandês é
significativamente superior àquela que as pessoas e instituições irlandesas
geram em qualquer lugar. Para se ter uma noção, no ano de 2019, em Portugal, o PNB
per capita era até ligeiramente
superior ao PIB per capita (20.299,5
Euros e 19.818,2 Euros, respetivamente)
mas constata-se facilmente que a diferença entre ambos é mínima (o PNB per capita era apenas 1,02 vezes maior),
um cenário que se repete nos restantes países da UE 27.
Este fenómeno quase
exclusivo no mundo acontece pois a Irlanda funciona como um offshore fiscal
europeu, atraindo empresas de todo o mundo com a sua baixa tributação sobre o
lucro e capitais. Assim, este país atraiu grandes multinacionais estrangeiras que
geraram enormes lucros dentro do território irlandês, levando a um valor inflacionado
do PIB, que nada tem a ver com aquela que é a capacidade produtiva das pessoas
e empresas nacionais irlandesas. O exemplo mais flagrante disto aconteceu em
2017, quando a Apple contribuiu para cerca de ¼ do total do PIB irlandês. Outro
fator que ajuda também à fixação de multinacionais forasteiras neste território
é o facto da língua oficial ser o inglês, que facilita sobretudo a comunicação
para empresas americanas, ao contrário de outros países com baixos impostos
para empresas, como a Hungria, Bósnia e Kosovo. A localização geográfica
privilegiada da Irlanda também tem a sua contribuição neste processo.
É possível constatar o
impacto que estas empresas multinacionais sediadas na Irlanda têm na economia
do respetivo país se analisarmos a Formação Bruta de Capital Fixo (ou
Investimento, em % PIB), onde a Irlanda é líder na UE 27* graças ao
investimento externo proveniente destas grandes empresas que se fixaram em solo
irlandês. Em contrapartida, o consumo público e privado da Irlanda é dos mais
baixos da UE 27*.
Contudo, a Irlanda é o
perfeito exemplo que um elevado PIB per
capita nem sempre anda de mãos dadas com um proporcionalmente elevado
rendimento médio das famílias, já que nessa variável a Irlanda ocupa o nono
lugar do ranking da UE 27*, algo que diverge do segundo lugar no ranking do PIB
per capita da UE 27*. Já países como
a Dinamarca, Países Baixos, Áustria e Alemanha, que (junto a Irlanda e
Luxemburgo) completam o top 6* de países com maior PIB per capita da UE 27, conseguem ser consistentes com a posição no
ranking de rendimento médio das famílias da UE 27*, ocupando todas estas (juntamente
com o Luxemburgo) o top 5 deste mesmo ranking. Isto acontece pois estes países
têm uma economia dependente da enorme capacidade produtiva, aliada a uma grande
inovação tecnológica, das suas empresas nacionais, que resultam tanto um PIB
como um PNB per capita elevados, não
sendo assim países dependentes de investimentos externos provenientes de
empresas multinacionais estrangeiras.
Conclui-se assim que o
PIB per capita, por si só, é
insuficiente para demonstrar aquela que é a realidade da economia e qualidade
de vida da população.
João
Pedro Vieira Enes Ferreira
*Dados presentes no
portal da PORDATA, 2020
**Dados presentes no
portal “macrotrends.net”
[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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