sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Agências de ´Rating`: um mal necessário?

No passado dia 15 de setembro, a agência Standard & Poors`s decidiu retirar a notação de crédito (rating) de Portugal de “lixo”, elevando o rating de BB+ para BBB-. O ministério das Finanças reagiu positivamente, congratulando-se pela decisão. Mas afinal o que é um rating e para que serve?
Um rating é uma notação que avalia o nível de risco de um determinado devedor. O devedor pode ser um Estado soberano, uma autarquia, uma empresa, um agregado familiar ou até mesmo um individuo. Um determinado rating irá “espelhar” a probabilidade de o devedor entrar em incumprimento. O nível de risco é importante pois é uma informação muito relevante para os investidores.
As agências de rating surgiram em meados do séc. XIX pela necessidade de avaliação de empresas do setor ferroviário, que estavam em forte expansão nos EUA. Ao longo do tempo, durante o séc. XX, as agências foram adaptando os seus serviços às necessidades do mercado, principalmente devido ao fortalecimento do mercado de capitais no âmbito internacional. O modelo atual surgiu nos anos 70, com a recessão e a procura crescente pela avaliação do risco. O colapso de Brettonwoods e a flexibilização das taxas de câmbio proporcionaram um fluxo de capitais à escala global, o que levou à procura de informações financeiras. Já nos anos 80, as agências passaram a atribuir notas aos títulos soberanos dos países, por culpa da expansão do mercado de títulos de dívida externa dos países emergentes.
Pelo exposto, conclui-se que estas agências solidificaram a sua posição nos mercados financeiros ao longo do tempo. A existência de um sistema de informação confiável e comparável sobre ativos financeiros é um pré-requisito para o bom funcionamento do mercado de capitais
As agências usam informações qualitativas e quantitativas para fazer as suas avaliações, muito semelhantes entre as diversas agências, mas usam ponderações diferentes, pelo que as notações são diferentes.
Os investidores valorizam o trabalho das agências de rating não só pela sua qualificação, mas pela análise de fundo. São eles que compram a dívida e solicitam as qualificações.
As agências de rating viram a sua credibilidade abalada quando em 2008, ao classificar o banco Lehman Brothers com a nota "A" (grau de investimento seguro) até ao dia da falência, isto depois de algo idêntico ter acontecido com a empresa Enron.
Por outro lado, os estados soberanos, perante a crise, viram as notações revistas para pior, incluindo os EUA, que perderam a nota máxima. Desde então, proliferaram os discursos negativos acerca da atividade das ditas agências. O presidente dos EUA de então, Barack Obama, teceu duras críticas às agências de rating aquando da descida da notação dos EUA, referindo que o seu país  era e sempre seria AAA (notação máxima) e não importava o parecer de uma agência. Portugal, em 2012 viu a sua notação descer para BB-, prejudicando fortemente a emissão de dívida e os investimentos pelo agravamento da taxa de juro, ferindo o coração dos portugueses ao traduzir essa notação numa palavra: lixo. Outros países foram fortemente afetados, tais como a Grécia e a Itália.
A polémica estava instalada. As críticas surgiram em catadupa e as agências foram acusadas de cumplicidade do colapso do sistema capitalista mundial, pondo em causa as metodologias de avaliação, bem como o modelo de negócio assente em conflitos de interesse, pois estas agências são contratadas pelas mesmas entidades que são avaliadas. Ficou ainda evidente que as agências não conseguem antecipar as crises e, quando reagem, ampliam-nas. Estava claro que a existência das agências tornou-se indesejável.
Contudo, esta ideia inverteu-se no passado dia 15 de setembro, no que se refere ao caso de Portugal. A agência  S&P, a maior e a mais influente das 3 principais agências a nível mundial, subiu o rating a Portugal, retirando-o do nível “lixo”. Discursos políticos de alegria e contentamento inundaram os principais meios de comunicação social. Apesar de há meses estarem patentes os dados otimistas da taxa de crescimento do PIB, a redução do défice e o bom momento de forma da balança comercial, entre outros indicadores económicos, parece que o grande momento ainda estaria para chegar. O surpreendente resultado rapidamente animou a economia nos dias subsequentes. Portugal emitiu 1.750 milhões em títulos de dívida pública com os juros mais baixos de sempre, a bolsa nacional obteve ganhos relevantes, com destaque para a Galp e o BCP.
As vantagens da nova notação são evidentes: o financiamento do estado e da dívida pública terá a situação mais favorável dos juros mais baixos; o pais enfrenta uma maior resistência aos choques internacionais; e há um favorecimento para os bancos e para as empresas privadas, uma vez que o perfil de risco está associado ao perfil do país, ou seja, haverá um estímulo da economia portuguesa. É esperado no futuro que as outras agências revejam também positivamente a sua notação.
Estranho é o facto de as agências de rating passarem de bestas a bestiais, no momento que as suas notações passaram a ser favoráveis aos devedores. Em contraponto com as vozes discordantes de outrora, agora que o vento está favorável, proliferam discursos de satisfação. Isto só confirma que as agências de rating vieram para ficar, para o bem ou para o mal, e os investidores solicitam muito os seus serviços.
Ao logo dos mais de 100 anos de existência, a procura desses serviços foi sempre crescente, pelo que as suas raízes são muito fortes. Apesar dos seus serviços não serem perfeitos, são considerados por muitos do melhor que se pode encontrar, e quem participa nos mercados de capitais terá de beneficiar ou sofrer as consequências, conforme as regras do jogo.
Quanto aos países com economias frágeis, como a de Portugal, é importante que faça por ter credibilidade internacional, atraia capital e controle a despesa pública, criando as reformas estruturais necessárias para alcançar esses feitos e gerar maior capacidade de produzir produtos e serviços de maior valor acrescentado. Só assim, além de gerar maior valor efetivo para o país, que é o que de facto importa aos portugueses, criará condições para se “vacinar” contra o lado perverso das agências de rating. Discursos políticos incendiários ou de auto-valorização acerca de qual governo fez o quê para o resultado das avaliações de rating não trazem mais-valias ao país. É necessário assegurar o bem-estar da população e o governo que o fizer será reconhecido pelos portugueses.
                                          
Aníbal José Baptista Peixoto

 [artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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