quarta-feira, 25 de novembro de 2009

“As ilusões pagam-se caras”

Estas foram as palavras proferidas pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, numa das mensagens endossadas ao povo português, no corrente ano, para comentar o acelerado ritmo a que Portugal se tem vindo a endividar no estrangeiro. Efectivamente, segundo dados do Boletim Estatístico, de Junho de 2009 do Banco de Portugal, a dívida externa líquida portuguesa ultrapassou o valor do nosso produto em Março deste ano (100,6%) quando, em 1996, tinha uma expressão de apenas 11% em termos do PIB, significando isto que, assegurados os mesmos níveis de produção, os portugueses necessitariam de trabalhar cerca de dois anos sem auferir qualquer rendimento para pagar este valor. Mas o que nos iludiu? Qual a magnitude e consequências de tal ilusão e, principalmente, como acabar com a miragem?
A entrada da moeda única com uma taxa de câmbio escudo/euro relativamente elevada, a dependência energética e a descida vertiginosa da taxa de juros a partir de 1996, são os três pilares desta ilusão. O primeiro, originou uma perda de competitividade de cerca de 20%, de acordo com João Ferreira do Amaral, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG); o segundo, tendo em conta que mais de metade das nossas importações são combustíveis, deixou a nossa economia à mercê das flutuações do preço do petróleo; e o terceiro criou a maior ilusão em que um agente económico míope pode incorrer: o endividamento barato. Só assim as famílias, empresas e bancos puderam realizar consumos até então utópicos e o Estado pôde financiar no estrangeiro o défice da Balança Comercial, gerado pelos dois primeiros pilares, que foi crescendo gradualmente, de 4,2% do PIB, em 1996, para 10,8% em 2008 – dados estatísticos do Banco de Portugal. A miopia dos agentes económicos (incluindo do próprio Estado) impediu a antevisão de que esta atitude apenas adiaria e inflacionaria os problemas do país.
Mas afinal, quais as consequências reais para um país de viver no mundo do ilusionismo? Primeiramente, numa ilusão nem tudo é negativo, pelo menos enquanto dura. E foi assim que, enquanto se possibilitou a alavancagem da dívida externa, se conseguiu também evitar que a crise de crescimento que afecta Portugal há mais de 8 anos se estendesse ao consumo. Por outro lado, a parte má, os problemas, apenas surgiram quando o nevoeiro começou a levantar, mais precisamente quando a crise financeira irrompeu em 2008, trazendo inúmeras restrições ao mercado de crédito a que os portugueses tanto recorriam. Restrições que seriam ainda mais agravadas, após a Standard & Poor's, no início do ano, ter baixado a notação financeira da dívida portuguesa, reconhecendo um maior risco de incumprimento por parte do nosso país, o que implicou um custo de crédito mais elevado para o Estado que se estendeu igualmente às empresas e famílias. “Se, de repente, os estrangeiros deixassem de nos emprestar dinheiro, Portugal teria uma crise económica como nunca teve no último século”, afirma Ricardo Reis, professor de Economia, na Columbia University, em Nova Iorque, para evidenciar o risco das descidas destes ratings.
Apesar das evidências e dos riscos, muitos teimam em continuar a pôr uma venda nos olhos dos portugueses quando é imperativo assumir a ilusão em que incorremos e repensar a política de financiamento do nosso país para evitar maiores custos, como defende o nosso PR. Hoje, estas soluções têm de ser concebidas num ambiente de economia aberta, competitivo e sem a possibilidade de utilizar instrumentos cambiais, o que deixa ao país apenas duas alternativas: ou joga com as cartas que tem ou altera as regras do jogo.
Eu apostaria numa conjugação de ideias. Primeiramente, há que gerar riqueza, ganhando competitividade de forma real através de empresas e trabalhadores mais produtivos e inovadores que exportem produtos de alto valor acrescentado. Seguidamente, é imperativo continuar o trabalho começado pelo ministro Manuel Pinho na tentativa de diminuir a factura energética através do investimento nas energias renováveis, que já permitem produzir 40% da electricidade que consumimos (estatísticas da Direcção Geral da Energia e Geologia (DGEG) de Abril) e reduzir a importação de petróleo, para além de que têm a potencialidade de nos colocar na rota de exportações de produtos com alto valor acrescentado, como são as torres eólicas e os aerogeradores. Por último, reformular o jogo. Porque não alterar as regras de aplicação das poupanças nacionais e criar uma legislação que obrigue os fundos que gerem estas poupanças a investir, não digo a totalidade porque seria uma medida extremamente proteccionista, mas uma quota-parte em projectos de empresas nacionais? Quem dá o exemplo é Lula da Silva, um dos maiores líderes mundiais, após ter proibido as poupanças brasileiras de serem canalizadas para o exterior, originando a procura e apoio de projectos nacionais credíveis e potenciando a criação de algumas empresas líderes na América do Sul (cervejas, banco, construtoras e petrolífera) e no mundo (carnes). Se apenas 25% dessas poupanças fossem reconduzidas, seriam mais 6000/7000 milhões de euros em investimento no território luso, o que corresponde a cerca de metade do nosso défice externo anual de 2008, segundo dados do Banco de Portugal. Se não podemos usar o dinheiro do estrangeiro porque não usar o nosso próprio dinheiro?
Em jeito de conclusão e citando um ditado popular: “Tempo é dinheiro”, e a cada dia que passa a dívida cresce e com ela crescem também os custos e riscos que põem em causa o desenvolvimento sustentável do país; por isso, é necessário, não só mostrar aos portugueses a realidade por detrás do pano, como fez o PR, mas também implementar rapidamente soluções eficientes, que permitam reduzir a nossa dependência externa.

Nuno Fernandes
[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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