quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Nova lei de combate ao endividamento e os possíveis problemas da sua aplicação

No passado dia 1 de Novembro, entrou em vigor uma medida constante de uma directiva comunitária, transposta para a legislação portuguesa, que regula os serviços de pagamento na Zona Euro, abrangendo diversas temáticas.
Por um lado, a medida mais vistosa está directamente relacionada com os bancos e o seu poder de decisão de bloquear cartões de crédito dos clientes sempre que considerem ter ocorrido um aumento do risco de incumprimento com o pagamento.
Esta medida tem o objectivo de abrandar o excesso de endividamento das famílias e parece um pouco controversa, na medida em que, por um lado, na prática pode não ser tão linearmente aplicável. Assim, a lei não pode ser ainda aplicada pois o cliente tem de aceitar essa possibilidade de bloqueio e constar expressamente no contrato relativo ao cartão de crédito. Por outro lado, o diploma não esclarece quais as condições que o banco deve reunir para proceder à activação do tal bloqueio, sendo que pode assim faze-lo em casos de desemprego ou, como se tem observado mais frequentemente, em situações de reduções salariais resultantes de possíveis insolvências e negociação de trabalhadores com as empresas.
A medida vem trazer mais segurança aos bancos, mas é possível questionar o sucesso do seu objectivo relativamente ao abrandamento do endividamento, na medida em que as famílias ao ver barrado algum do seu acesso ao crédito e os seus rendimentos a diminuir, podem querer antecipar situações de ruptura com ainda mais crédito, sendo que o diploma não parece esclarecer tais casos.
A nova Lei visa também outros aspectos, tais como o não impedimento de cobrança de taxas por uso do multibanco nas lojas, estando impedidos de tal cobrança de taxa suplementar os lojistas que imponham a forma de pagamento ao cliente, o que parece fazer sentido. No entanto, a introdução de taxas pelo levantamento de dinheiro nas caixas multibanco, parece não fazer tanto sentido, embora antes da entrada da nova lei isso ser uma possibilidade, embora os bancos tenham adoptado essa opção.
Segundo o Presidente da DECO, não existem alterações em relação à prática do passado, afirmando que a cobrança é uma decisão comercial, como no caso de as seguradoras reduzirem o preço por débito directo.
De forma geral as novas regras são benéficas na relação entre os bancos, comerciantes e clientes, reforçadas por exemplo pela maior informação que o banco tem de prestar, tanto ao cliente como ao beneficiário da transferência. Desta forma, após as operações de débito devem ser enviadas às partes as informações relevantes, ou então, caso o banco opte, proceder ao envio periódico, sendo que caso existam reduções ou encargos adicionais tem de ser comunicados antes da referida operação.
O combate ao endividamento das famílias não faria sentido se não passasse pela postura dos bancos face aos clientes. Assim, as novas regras vem impedir os bancos de enviar cartões de crédito não solicitados para casa dos clientes, excepto em caso de substituição do cartão, tendo a instituição de zelar pela segurança do meio de pagamento.
Em Portugal temos observado o crescente endividamento das famílias e o desinvestimento por parte das empresas. Em parte, as novas regras vem promover o acesso à informação e o contacto entre as entidades bancárias e os clientes, mas é necessário saber se as medidas adoptadas serão relevantes para abrandar o consumo pelo endividamento, sem reduzir o restante consumo privado, essencial para a subsistência e crescimento das empresas, em especial as de pequena e média dimensão e o mercado tradicional.
Provavelmente seria útil clarificar alguns aspectos mais controversos, pois a época natalícia que se aproxima adivinha-se rica em consumo e as novas regras poderão não ter efeito, caso as entidades bancárias continuem agressivamente disponíveis para conceder acesso ao crédito, que no futuro se poderá traduzir em bloqueios de cartões.

Ivo Duarte Dias Costa

Fonte: Jornal de Negócios, nº 1619, 2 de Novembro de 2009
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo), da EEG/UMinho]

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