segunda-feira, 5 de novembro de 2018

ISP – UM PROBLEMA OU UMA SOLUÇÃO?

      O aumento extraordinário do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), pressuposto no OE de 2016, gerou bastante polémica. O governo defendeu que o aumento de 6 cêntimos por litro no imposto aplicável à gasolina sem chumbo e ao gasóleo rodoviário visava “corrigir a perda de receita fiscal resultante da diminuição da cotação internacional” e tinha “em consideração os impactos negativos adicionais ao nível ambiental e no volume das importações nacionais causados pelo aumento do consumo promovido pela redução do preço de venda ao público”. Contudo, de forma a responder às fortes críticas que lhe foram apontadas, quer pela oposição, quer pela ANTRAM, quer pela ANTP, o governo garantiu que iria proceder à revisão do ISP numa base trimestral, em função das cotações do preço do petróleo. Contudo, o governo fez reavaliações do ISP em maio, agosto e novembro de 2016 e só na primeira revisão é que o imposto sobre a gasolina foi alterado.
          Na primeira revisão, o imposto diminuiu em um cêntimo por litro no gasóleo e na gasolina, porque se tinha registado um aumento de 4,6 cêntimos por litro no preço de referência médio da gasolina. Na segunda revisão, em agosto, manteve o imposto inalterado. Finalmente, em novembro, o imposto sobre gasóleo registou uma descida em um cêntimo por litro e a taxa sobre a gasolina ficou inalterada. Em 2017, manteve-se o adicional às taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e o governo deixou que a promessa de revisão caísse no esquecimento até dia 30 de outubro de 2018, quando Mário Centeno anunciou um alívio fiscal somente no imposto sobre a gasolina, de 3 cêntimos por litro.
Portugal, assim como o resto do mundo, é um país dependente dos combustíveis fósseis. Deste modo, não será de estranhar que o ISP esteja sempre na mira da comunicação social, alimente o “clickbait” para títulos como “Mais de metade do preço dos combustíveis resulta de taxas e de impostos”, e faça tanta “comichão” à carteira dos portugueses.
O ISP é sem sombra de dúvidas um imposto bastante alto, contudo, é um imposto que incide sobre um produto cuja utilização excessiva em nada contribui para um desenvolvimento e crescimento sustentável.
O transporte rodoviário representa, e continuará a representar, um papel preponderante no desenvolvimento social e económico, bem como no bem-estar. Contudo, e lamentavelmente, o transporte rodoviário é um dos maiores responsáveis pela poluição ambiental e pelas emissões de gases com efeito de estufa. Conciliar esta necessidade de utilização do transporte rodoviário com a obrigatoriedade de reduzir o seu impacto no ambiente e na saúde pública é um dos grandes desafios com que a humanidade em geral se confronta.
Com o preço do gasóleo ou da gasolina cada vez mais altos, porque não “viramos” o tabuleiro? Por que razão continuamos a exigir e a batalhar por uma diminuição do ISP, ao invés de lutarmos por um país eco-friendly? Porque não exigimos um maior esforço do governo neste período de transição, por exemplo aumentando o cheque de 2250 euros destinados à aquisição de um carro elétrico? Ou impedindo que a rede Mobi.e comece a cobrar aos seus utilizadores? Ou apostando fortemente na modernização e ampliação de infraestruturas e equipamentos que aumentem a eficiência dos transportes públicos?
E se virarmos novamente o “tabuleiro”, será o governo responsável pela nossa dependência dos comustíveis fósseis? Talvez, e nós? Estaremos suficientemente sensibilizados para os perigos de uma exploração e consumo excessivo de combustíveis fósseis? A palavra “sustentável” tornou-se fashionable, mas o que fazemos para entregarmos um Green Planet às gerações futuras? Por que é que nós, portugueses, continuamos a alimentar esta cultura de sobre-valorização do automóvel? Porque não há mais fatos e gravatas em cima de bicicletas, ou dentro de transportes públicos?
Portugal foi um early adopter, isto é, foi um dos pioneiros no tema das energias renováveis, e sempre se quis colocar na dianteira das políticas de descarbonização e transição energética. Os mais céticos apontam críticas aos elevados custos despendidos no desenvolvimento da tecnologia, da indústria e do conhecimento e consideram a estratégia energética “um embuste para financiar as empresas do costume”. Contudo, entrar em detalhe em tais polémicas seria uma perda de tempo pois considero que, mais do que salientar os erros e os custos, importa salvaguardar o engenho nacional e a capacidade de estarmos hoje dotados de competências que tornam Portugal num reputado produtor de energias renováveis, e isso demonstra que o investimento dos consumidores tem sido reprodutivo.
A UE estabeleceu no seu programa Europa 2020 uma meta de 20% de renováveis no consumo de energia final. Portugal foi mais ambicioso e definiu um target de 31% uma vez que já consome 28,5% de renováveis. No âmbito da promoção da mobilidade elétrica, o governo criou, em 2016, um incentivo de 2250€ a quem adquire um veículo elétrico. No OE2019, a medida manteve-se, além disso, de forma a dar o exemplo e a manter-se na vanguarda do movimento verde, o próprio Estado vai introduzir 600 veículos elétricos, exclusivamente, para organismos da Administração Pública.
O preço de um carro elétrico e a desconfiança dos consumidores em relação à sua autonomia contribuem para esta solução menos atraente e competitiva face a uma equivalente com motor a gasóleo. Por isso, os incentivos são fundamentais.
Se o governo podia dar mais incentivos... é discutível. Agora, o que é, claramente, abominável é pensarmos que Lisboa tem um sistema de transportes públicos muito bem desenvolvido, 80 km de ciclovias que serão ampliadas para 200 km, mas que continua a haver uma clara preferência pelo veículo pessoal, mesmo sendo uma cidade com um trânsito infernal e com falta de estacionamento, havendo 4 carros para cada lugar.
“A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público” (Enrique Peñalosa)

Jorge Martins

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Sem comentários: