terça-feira, 5 de novembro de 2019

Devem os Bancos Centrais ser independentes?

Na década de 70, após o colapso do sistema de Bretton Woods, verificou-se uma dificuldade por parte dos bancos centrais em manter uma inflação relativamente estável. Após duas décadas de preços elevados e crises sucessivas, surge a ideia de “ criar “ um banco central independente, ou seja, um banco central com total independência para conduzir a política monetária de forma a convergir para a meta de inflação estabelecida globalmente - os famosos 2%. Assim, a independência dos bancos centrais é um fenómeno relativamente recente. Ela surge do processo civilizatório, da construção da sociedade aberta, da consciencialização da problemática inflacionária, tendo-se tornado oficial na zona euro, no Japão e no Reino Unido, na década de 90.
Numa economia de mercado, existe um sistema de coordenação de fatores de produção que depende do sistema de preços. Ou seja, é quase como se o sistema nos mandasse sinais e através deles conseguíssemos coordenar os recursos e promover a organização económica. Ora, se os preços estiverem todos a subir, esses mesmos sinais tornam-se falsos e há uma desorganização económica, como aquela que verificamos atualmente na Venezuela. Deste modo, a independência concedida aos Bancos centrais é um passo importante porque só dessa forma consegue-se preservar a estabilidade do poder de compra da moeda e, por acréscimo, promover a eficiência deste sistema de preços, fornecendo a lubrificação correta para a macroeconomia. Pelo gráfico abaixo, podemos verificar essa relação inversa entre o nível de independência dos bancos centrais e taxa de inflação entre 1960-1990.


Contudo, a revista britânica The Economist, alerta para forças como o “Populismo, nacionalismo“ que ameaçam a história de bancos centrais independentes. A revista cita, como exemplo, os ataques do presidente dos Estados Unidos à gestão da reserva federal depois de este último ter exigido cortes nas taxas de juros. Segundo o artigo, “ Lideres como Trump combinam o desejo político de taxas de juro baixas com uma vontade imprudente de minar as instituições”.
A revista faz também  destaque para a guerra  entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o banco central,  e também o caso da Índia, onde o chefe do banco central, considerado competente pela revista,  foi substituído por um “ insider que reduziu as taxas antes de uma eleição“.
Embora a independência do banco central seja globalmente aceite como algo fundamental na condução da política monetária, a verdade é que, com o declínio da inflação nos últimos anos juntamente com as forças políticas mencionadas, começam a estar mais presentes as vozes críticas da autonomia dos bancos centrais. Segundo os críticos, o problema com a independência dos bancos centrais é o facto de eles terem sido idealizados para resolver o problema da inflação elevada que, segundo os mesmos, nos dias de hoje já não se verifica. Com as taxas de juro próximas de zero, o banco central encontra-se próximo da armadilha da liquidez, ou seja, o ponto em que baixar as taxas de juro não produz mais estímulos na economia e há a necessidade de recorrer às ditas políticas monetárias não convencionais. E é aqui que reside o cerne da questão. Ou seja, até que ponto uma coordenação da política monetária com a política orçamental não seria mais eficiente em introduzir estímulos na economia do que usar o Quantitative Easing.
Na minha opinião, esta solução apresentada pelos críticos não parece oferecer boas soluções, sobretudo pelo ambiente político que vivemos nos dias de hoje. Com a tensão política que verificamos no economia global, será questionável os efeitos positivos que essa coordenação poderia trazer. Se o impensável acontecesse e os bancos centrais voltassem à supervisão do governo isso traria, por um lado, o problema do time inconsistency, que de forma grosseira significa que os decison makers colocam um nível de importância menor nas escolhas cujos benefícios só são experienciados num período de tempo relativamente distante, provocando alguns desvios das políticas inicialmente estabelecidas. Este incentivo de se desviar da política anunciada origina uma alteração nas expectativas da população, o que enquadrado neste caso se traduziria numa inflação elevada e persistente.  Por outro lado, a importância de ter um banco central autónomo vai para além dos problemas de inconsistências temporais. Nos dias de hoje, vale muito ter uma instituição transparente e credível.
Em suma, considero fundamental garantir a independência dos bancos centrais para manter a estabilidade do poder de compra da moeda e garantir dessa forma o bom funcionamento do sistema de preços. Corrompendo a moeda e incentivando a inflação, promovemos uma desorganização no funcionamento da economia. 

Ana Catarina Santos Reis

Referências:  
https://www.economist.com/leaders/2019/04/13/the-independence-of-central-banks-is-under-threat-from-politics?frsc=dg%7Ce&fbclid=IwAR3WDwHvEywB5m0m0a7icMOsZaVkePKWBHJ12PwTZqPdjvgtusFjCKS4pLQ

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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