terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Caminho Sem Volta

Após 3 anos de incessantes negociações, o resultado do Brexit permanece uma incógnita. Desde o polêmico referendo de 2016, o Reino Unido passou por uma forte instabilidade política, resultando na renúncia de dois primeiros-ministros e repetidas extensões ao prazo da decisão, que deveria ter sido tomada em março deste ano. Claramente, as negociações de uma possível saída da União Europeia se mostraram mais complexas do que as simples opções leave e remain sugeriam.
O maior obstáculo para o parlamento britânico tem sido decidir o que fazer com a fronteira da Irlanda do Norte (IN). Uma separação total do Reino Unido e a UE poderia comprometer o Tratado de Belfast. Este acordo garante fortes laços entre o Reino Unido e a UE e foi responsável por encerrar as décadas de violência resultantes do conflito entre os norte-irlandeses unionistas, que são a favor da presença britânica na IN, e os nacionalistas, que são contra.
Várias propostas foram feitas como tentativa de evitar a retomada deste conflito. A primeira proposta foi o backstop irlandês. Isso significaria que a IN permaneceria dentro do mercado comum europeu e da união aduaneira europeia, enquanto o restante do Reino Unido sairia. Esta foi a sugestão da UE ao parlamento britânico em 2018, e foi imediatamente rejeitada, principalmente pelos unionistas, por distanciar a IN do restante Reino Unido.
A proposta então evoluiu para um backstop geral, como proposto por Theresa May. Dessa forma, todo o Reino Unido permaneceria em uma união aduaneira com a UE por tempo indeterminado. Isso evitaria uma fronteira física entre as Irlandas até que novos acordos sejam negociados. Essa proposta também foi rejeitada no parlamento britânico, resultando na renúncia da primeira-ministra. O argumento do parlamento foi que o novo acordo manteria o Reino Unido preso à UE e impediria acordos comerciais com outros países, de forma que o Brexit perderia o sentido.
Finalmente, com uma tentativa de aprovar um acordo para o Brexit antes do prazo do dia 31 de outubro, Boris Johnson sugeriu um novo acordo que representaria um meio termo entre as propostas feitas. No novo acordo, a IN ficaria legalmente dentro da união aduaneira do Reino Unido, mas continuaria fortemente alinhada com o mercado comum europeu. A UE concordou em não estabelecer fronteiras físicas entre as Irlandas, e tarifas seriam aplicadas em mercadorias exportadas do Reino Unido para a IN a não ser que seja provado que os produtos permaneçam no território norte-irlandês. Para além disso, a assembleia-geral da IN poderá votar sobre a continuação desse regime ao final de 4 anos. Apesar de todo o esforço, a proposta foi rejeitada pelo Partido Unionista Democrático (DUP) por temerem que os restantes partidos se reúnam contra o DUP e criem na prática um novo backstop irlandês.
O fracasso persistente das negociações evidencia um problema inevitável e óbvio. É impossível conciliar a saída do Reino Unido da UE sem comprometer a estabilidade política da IN. Não importa a retórica e a engenharia política que seja feita, no final das negociações a IN vai ter de se distanciar da UE ou do Reino Unido. Boris Johnson está apostando nas eleições gerais de dezembro para garantir uma maioria para aprovar seu acordo, mas segundo as pesquisas eleitorais a população parece estar tão dividida quanto o parlamento. Segundo os dados, não há um consenso popular para nenhum dos acordos propostos.


Após 3 anos de negociações sem progresso, chega a ser utópico pensar que o parlamento consiga concordar em uma nova resolução em menos de 2 meses após as eleições de dezembro. Ainda há a possiblidade da implementação de um novo referendo após as eleições, em que a população poderia escolher desistir do Brexit e permanecer na UE. Por mais improvável que seja, essa parece ser a única maneira de evitar a fase de instabilidade política e econômica pela qual o Reino Unido parece estar destinado a passar após o prazo da decisão, no dia 31 de janeiro.

Lucas Guimarães

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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