domingo, 17 de novembro de 2019

Portugal, a Arábia Saudita de Lítio na Europa

Em 27 de agosto de 1859, o norte-americano Edwin Drake construiu a primeira torre de petróleo na Pensilvânia, nos Estados Unidos. O líquido borbota quando o poço atinge 23 metros de profundidade. O petróleo seria, a partir de então, utilizado como combustível para as lamparinas a óleo, mas pouco depois passou a ser destilado para produzir carburantes, como o querosene. Tem início a febre do ouro negro: a descoberta de novas jazidas faria surgir cidades em pleno deserto nos EUA. Estamos em 2019, e parece começar a borbotar a corrida ao “ouro branco”.
Tem como número atómico 3, tem massa atómica de 6941, 0,534 gramas por centímetro cúbico de densidade, encontra-se no estado sólido à temperatura ambiente e apresenta-se na Tabela Periódica com o símbolo químico Li. Estas são algumas das caraterísticas químicas do “petróleo branco” ou então do “ouro branco”, o Lítio.
O lítio é fundamental para a produção de baterias recarregáveis para smartphones, laptops e outros dispositivos eletrónicos e, também, para baterias não recarregáveis de pacemakers, brinquedos e relógios, mas é na indústria automóvel que tem vindo cada vez mais a realçar-se como recurso base para as baterias dos automóveis elétricos. No entanto, em Portugal, 5º maior produtor mundial, o lítio é usado essencialmente na indústria da cerâmica, não existindo até agora números relevantes da exploração e utilização do lítio português no fabrico de baterias.
O lítio, em Portugal, encontra-se sobretudo em pegmatito, rocha que costuma situar-se em zonas graníticas – daí que as reservas de lítio até então encontradas se localizarem maioritariamente no Norte e Centro do nosso país. Os pegmatitos são ricos em minerais, como a espodumena e a petalite, cuja concentração de lítio não ultrapassa os 4,5.
Diz David Frances, presidente da Novo Lítio, antiga Dakota Minerals (uma das empresas australianas em território nacional com objetivo de prospeção de lítio), que Portugal tem a segunda maior reserva de lítio da Europa. No entanto, o lítio português não jorra como o petróleo que o Coronel Drake encontrou em 1859. Na América do Sul, basta uma salmoura e pouco mais para que o carbonato de lítio (Li2CO3) fique disponível para ser usado nas baterias de iões de lítio. O lítio português está inserido em camadas rochosas profundas do solo, o que torna o processo de separação do lítio da petalite muito mais dispendioso, logo, é muito mais difícil competir com os preços que os fornecedores da Argentina, Chile e da Bolívia colocam. Só a Bolívia representa cerca de 70% da exploração de lítio a nível mundial, no mar de sal Salar de Uyuni – à semelhança de Ghawar, o megacampo petrolífero da Arábia Saudita.
Apesar disto, Frances está convencido que há vantagem em explorar Lítio em Portugal. A boa localização a nível continental e o facto de os produtores de baterias estarem interessados num fornecimento na Europa leva a que estejam dispostos a cobrar mais caro pelo lítio de Cepeda, Montalegre, por exemplo. Isto leva a um tema já discutido nesta plataforma: um possível investimento por parte da gigante automóvel americana, a Tesla, em estabelecer em terras lusas uma das suas “gigafactories”.
Este tipo de investimento não tem apenas de “giga” a sua envergadura na perspetiva de infraestrutura mas, também, nos números a ele associados: A Gigafactory 1, nos EUA, no total e em plena produção, consegue criar baterias capazes de alimentar 1.500.000 carros por ano. Tendo em conta que se vive um clima de grande histeria em volta dos carros e outros veículos elétricos na Europa (sendo Portugal, de acordo com dados do relatório da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente, o 4º país que mais carros elétricos vende), entende-se que faça sentido a prospeção e consequente exploração de lítio em Portugal.
De acordo com um relatório do Governo, só em 2016 deram entrada cerca de três dezenas de pedidos para prospeção e pesquisa, num total de 3,8 milhões de euros de investimento proposto, sendo que o maior interesse se situa nas Covas do Barroso, Boticas. O relatório recomenda a criação de um cluster que inclua a industrialização (no processamento dos minérios) e a economia circular (na reciclagem de baterias).
Contudo, mesmo que tudo esteja pronto a que se dê inicio ao sprint final pela extração de Lítio, começam a existir as primeiras notificações por parte das entidades ambientalistas e/ou culturais: «Considera-se que o licenciamento de qualquer tipo de exploração do subsolo não interessa ao ADV nem, tão pouco, se considera ser do interesse público abdicar-se de referências patrimoniais e culturais em favor de um interesse económico estranho ao bem», disse o ICOMOS - organização consultora da UNESCO - numa carta enviada ao presidente da Comité Nacional da Unesco em Portugal, ao Ministério do Ambiente e à CCDR-N - Direcção Regional de Cultura, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte - que é o organismo que tem a responsabilidade de assegurar a manutenção daquele património classificado e protegido desde 2001.
Por fim, fica-se com a sensação que tudo está em banho-maria e que, infelizmente, tudo isto não passará de um sonho português (à imagem do que foi e é a possível exploração de petróleo em Portugal), que nunca passará disso mesmo: uma utopia que faz os portugueses suspirarem por um fim na instabilidade económica, que teima em não desaparecer, apesar do frágil crescimento económico português registado nos últimos 4 anos. Espera-se muito por algo que cada vez mais se assemelha não a uma corrida de sprint mas sim a uma corrida de fundo.
É uma corrida; precisamos de chegar ao mercado antes dos outros e Portugal, nestas questões, é o seu pior inimigo – nada é feito com rapidez”, queixa-se o presidente da Novo Lítio, David Frances.
Xavier Nogueira

Referências
Alertalitio.quercus.pt. (2019). [online] Available at: https://alertalitio.quercus.pt/wp-content/uploads/2019/07/01-Levantamento-litio.pdf [Accessed 11 Nov. 2019].
Contributor, S. (2019). What Is Lithium? [online] livescience.com. Available at: https://www.livescience.com/28579-lithium.html [Accessed 9 Nov. 2019].
Digest, E. and Mundial, E. (2019). Exploração de lítio compromete classificação do Douro como Património Mundial. [online] Executive Digest - A leitura indispensável para executivos. Available at: https://executivedigest.sapo.pt/exploracao-de-litio-compromete-classificacao-do-douro-como-patrimonio-mundial/ [Accessed 10 Nov. 2019].
Geographic, N. (2019). O lítio pode ser a energia do futuro - e há abundância em Portugal. [online] Nationalgeographic.sapo.pt. Available at: https://nationalgeographic.sapo.pt/ciencia/grandes-reportagens/1221-o-litio-pode-ser-a-energia-do-futuro-e-ha-abundancia-em-portugal [Accessed 10 Nov. 2019].
Jornal visao. (2019). A corrida ao "petróleo branco" português: o lítio. [online] Available at: http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2017-08-27-A-corrida-ao-petroleo-branco-portugues-o-litio [Accessed 9 Nov. 2019].
Jornaldenegocios.pt. (2019). Portugal tem uma das maiores reservas de lítio da Europa. [online] Available at: https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/industria/detalhe/tras-os-montes-australianos-confirmam-uma-das-maiores-reservas-de-litio-da-europa [Accessed 8 Nov. 2019].

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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