segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Endividamento das famílias no século XXI – Será o crédito um instrumento dinamizador da economia ou um pesadelo sem fronteiras?

 

O endividamento das famílias tem dilatado muito nas economias europeias e Portugal não é exceção, sendo ainda considerado um dos países com maior nível de endividamento. Este paradigma é sinistro e acarreta consequências financeiras graves.  O elevado nível de endividamento das famílias tem como principais causas os empréstimos, a taxa de juro, o rendimento, o consumo e a taxa de inflação.

A temática do endividamento é muito complexa e requer um estudo intensivo, no entanto, o meu foco irá centrar-se essencialmente na intensificação do consumo e na massificação dos empréstimos para habitação a que temos assistido ao longo das últimas décadas.

Temos endividamento quando existe um desequilíbrio entre o que um indivíduo ganha e aquilo que gasta. A meu ver, o endividamento é um problema quando há incumprimento das famílias quanto aos prazos de pagamento do empréstimo.

Nos últimos anos, o nível médio de consumo dos indivíduos aumentou bastante, e muitas pessoas passaram a viver acima das suas possibilidades. É aqui que entra o papel dos empréstimos, pois apesar de não terem orçamento para tal nível de vida as famílias acabam por recorrer a créditos. Deste modo, aquilo que gastam é maior do que aquilo que, de verdade, têm disponível. Obviamente um consumo desenfreado cria um ciclo vicioso. Inicialmente, obtém-se um crédito para consumir, depois surgem situações de falta de liquidez e contrai-se um novo empréstimo, e muitas vezes são efetuados créditos para pagar outros. Assim, surge o chamado “efeito bola de neve” que pode conduzir a um cenário dramático, arriscando no limite que possam ocorrer situações de sobre-endividamento.

Em Portugal, o crédito à habitação é uma das principais fontes de endividamento das famílias. Este fenómeno deve-se à maior acessibilidade que as famílias têm em contrair empréstimos, muito impulsionada pela redução das taxas de juros e da sua volatilidade, e pelo aumento da oferta de créditos.  

As avultadas prestações que as famílias têm de fazer todos os meses a fim de pagar os empréstimos contraídos representam uma colossal parcela do endividamento. A facilidade de contrair um empréstimo acaba por influenciar a crescente evolução deste fenómeno.


Figura 1: Empréstimos concedidos às pessoas pelos bancos, para habitação ou consumo e outros fins

Fonte: Pordata, https://www.pordata.pt/Portugal/Montantes+de+empr%c3%a9stimos+concedidos+no+ano+a+particulares+total+e+por+tipo+de+finalidade-2844 , 26 outubro 2020.

A figura 1 representa claramente a dimensão que os empréstimos assumem para as famílias. Além disso, verificamos que os créditos para habitação e consumo têm uma trajetória semelhante. No período da crise financeira de 2007, o recurso a créditos disparou, pois perante a crise e as medidas de austeridade muitas famílias viram-se sem rendimento para fazer face às suas necessidades. Nos anos subsequentes, assiste-se a uma redução significativa muito impulsionada pelas regras impostas. Recentemente, verifica-se uma tendência crescente e acredito que esta irá prolongar-se em 2020 e nos anos subsequentes devido à crise de COVID-19 que enfrentamos.

Na minha opinião, o endividamento é um tema atual e, principalmente, neste momento de pandemia mundial, pois será de esperar um maior grau de endividamento das famílias no pós-crise. Apesar de não haver ainda informação científica e dados quanto a esta minha antevisão, acredito que a tendência será esta pois, historicamente, quando há uma crise, os empréstimos aumentam, o risco de incumprimento dispara, as insolvências surgem e tudo isto contribui para o incremento do endividamento das famílias.

Perante isto, concluo que o endividamento é um panorama evidente no contexto económico e financeiro português e deve-se em grande parte ao aumento do consumo impulsionado por estilos de vida mais modernos e urbanizados e à intensificação dos créditos para habitação. Respondendo à questão inicial, considero que os créditos tornam-se uma ameaça à estabilidade financeira quando as famílias entram em incumprimento pois, como diz o ditado, “A divida é o primeiro herdeiro” e no cenário mais pessimista podem perder todos os seus bens. Contrariamente, se as dívidas forem bem geridas e contraídas com a contrapartida de investimentos seguros, os créditos podem ser identificados como impulsionadores da atividade económica.

 

Patrícia Novais

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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