sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O IMPACTE DA COVID-19 NAS DEMOCRACIAS

A crise sanitária causada pela COV-SARS-2 no início do presente ano deverá ficar para sempre na história da humanidade. A sua marca nos livros de história não ficará apenas pela descrição deste inimigo invisível que contagiou tantas pessoas e fez muitas outras sucumbir, mas também pelo abalo que se fez rapidamente sentir nos restantes setores da economia, expondo as suas fragilidades. Os sistemas de saúde enfrentaram uma procura por cuidados de saúde cada vez maior, resultando na rutura de muitos hospitais que não conseguiram fazer face às necessidades. O sistema laboral encontrou igualmente grande turbulência, resultando nos mais adversos efeitos, tais como a falência de algumas empresas, as perdas brutais de lucros e uma acentuação das diferenças entre classes sociais. 

Naturalmente, e como resultado de todas estas alterações, as economias depararam-se com grandes necessidades de investimento de modo a controlar as perdas que se fizeram sentir e, sobretudo, a instaurar novas medidas sociais para conter a propagação da covid-19. No entanto, será que as medidas implementadas para fazer frente à pandemia não colocam em risco toda a nossa aprendizagem de como é viver em sociedade? Será que o regime democrático conseguirá ultrapassar o coronavírus e continuar a funcionar nos mesmos moldes que vigoravam anteriormente?

Como resposta ao crescente número de casos confirmados nos demais países, foram rápidas as medidas que restringiram contactos entre pessoas, desde a distância social a confinamentos e estados de emergência. Diversas atividades e iniciativas sociais foram canceladas, chegando até a ser proibidas em alguns casos. Restringiram-se protestos e reduziu-se a informação disponível através da imprensa para não instalar o pânico. Obviamente, as limitações acima descritas vão contra direitos constitucionais, colocando em causa a liberdade dos cidadãos que não só deixaram de poder protestar e afirmar as suas ideologias como perderam parcialmente o direito à informação. Contudo, foram impostas mais medidas que demarcaram os nossos comportamentos e hábitos, como é o caso dos confinamentos, em que a sociedade se limitou ao seu domicílio revelando-se, nesses períodos, uma maior falta de liberdade como nunca tinha sido experienciada anteriormente.

Todas estas regras e precauções permitiram uma ascensão de partidos extremistas que defendiam que não estariam a ser adotadas as melhores medidas para contornar esta pandemia. Com o clima de insegurança e incerteza e com o protagonismo crescente de ideologias radicais, a democracia estremece. Um dos motivos pelo qual esta é uma grande preocupação prende-se, em parte, com eleições adiadas pelo globo que não foram remarcadas e, portanto, prevê-se um abuso de poder por parte dos líderes atuais. O mesmo receio relativamente ao uso indevido de poder relaciona-se com os vários estados de emergência que ameaçam a forma original do regime democrático. Há efetivamente uma apreensão crescente de como irão os políticos no futuro governar e se a democracia continuará nos moldes de hoje.

Com todo este solavanco na história mundial, pudemos constatar que a democracia instituída apresenta ainda algumas falhas e talvez seja uma boa oportunidade para corrigirmos estas imperfeições e prosseguirmos mais fortes e mais seguros. O mundo mudou com a covid-19, fez modificações em semanas que demorariam meses, adaptou-se. Criámos um novo ponto de vista, alterámos prioridades e reformulámos pensamentos. Acredito que também o podemos fazer no nosso modelo democrático. Citando Fareed Zakaria na sua publicação no The Washington Post, “Esta pandemia cruel criou a possibilidade de otimismo, mudança e reforma. Abriu um caminho para um novo mundo. Podemos aproveitar a oportunidade ou desperdiçá-la.”. Não vamos deixar a democracia morrer na escuridão, mas sim deixá-la viver num mundo luminoso.

 

Ana Isabel Resende

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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