sábado, 30 de outubro de 2021

A revolução elétrica no ramo automóvel: o futuro ou a ponta de um precipício?

      É impossível ser-se indiferente à crescente procura de automóveis elétricos. A indústria automóvel não esconde esta indiferença investindo e transladando cada vez mais recursos para a sua comercialização.  Porém, será que o ramo automóvel está a caminhar na direção certa ou a dirigir-se para um precipício?

          É indiscutível que a procura de meios de transportes movidos a energias mais limpas é prioritário. Atualmente, 30% do dióxido de carbono emitido na União Europeia provém dos transportes, sendo que 72% dos mesmos são oriundos dos transportes rodoviários. Esta entidade definiu como objetivo reduzir este valor em 60% até 2050, meta que poderá ser alcançada de duas formas: reduzindo o número de carros em circulação; ou substituir os atuais por veículos movidos a energias menos poluentes. A indústria automóvel, naturalmente, optou pela solução que não prejudicaria as suas vendas, investindo na investigação e desenvolvimento de motores movidos a eletricidade – estima-se que nos próximos cinco a 10 anos sejam investidos 300 mil milhões de dólares em tecnologias de carros elétricos.

          Todavia, a solução elétrica não é alheia de aspetos menos positivos. É indubitável a menor eficiência deste tipo de veículos, seja pela sua menor esperança de vida, entre 8 a 10 anos, ou pela sua menor autonomia, flutuando entre os 100 e 400 quilómetros para veículos elétricos a bateria e de 320 a 600 quilómetros para veículos elétricos a célula de combustível. Ademais, acrescentam-se as críticas levantadas em relação à pegada ecológica desta nova tecnologia.

Primeiramente, esta prende-se com a proveniência da energia utilizada como propulsora dos mesmos. Atualmente, menos de 20% da energia produzida na União Europeia advém de energias renováveis. Desta forma, apesar do mercado ser dominado por motores de combustão, grande parte da energia utilizada nos carros elétricos já provém da queima de combustíveis fósseis. Suponhamos, agora, que a transição para os veículos elétricos é total. Em Portugal, seria expectável um aumento do consumo de energia em 14,2% (6665 GWh), ou seja, assumindo que esta transição não é acompanhada, na totalidade, por um maior investimento em energias renováveis, esta culminaria num aumento da queima de combustíveis fósseis.

Em segundo lugar, tem-se o acréscimo da exploração das reservas mundiais de lítio. Sabe-se que uma tonelada de lítio poderá levar a emissões tão exorbitantes de CO2 como 15 toneladas e a um consumo de perto de 2 milhões de litros de água, para além de todo o impacto em termos paisagísticos e na biodiversidade resultantes de dita exploração. Em suma, a transição para o elétrico findaria não só na utilização de combustíveis fósseis, já consumidos pelos motores a combustão, mas também da exploração em massa do lítio.

          Ademais do impacto ambiental desta revolução elétrica, o impacto económico é indeclinável. Por um lado, prende-se com a questão da realocação de parte da indústria. O senso comum diz-nos que as indústrias irão procurar estar junto dos recursos naturais por questões de eficiência, maior rapidez e menor custo no transporte do local de extração para o local de transformação. Com isto, teremos a fuga de diversas indústrias do território europeu para junto do triangulo do lítio, formado pela Bolívia, Argentina e Chile, impactando diretamente as economias europeias tanto ao nível da sua riqueza como do seu emprego.

Por outro lado, haverá um reajustamento e readaptação das indústrias que terminarem não se realocando. É previsível um investimento tanto em capital físico como humano de forma a capacitar as indústrias para produzir com esta nova tecnologia. Sabendo isto, a grande questão que se alevanta é a sustentabilidade deste investimento. Sendo a solução elétrica uma “não solução”, a indústria automóvel estará a reinventar-se sobre os princípios errados, isto é, estará a não só adiar como agravar um problema. As questões ambientais que se prendem com esta necessidade de procurar uma nova tecnologia continuarão presentes, ou seja, a indústria automóvel ficará retida numa solução menos eficiente que a atual e igualmente danosa para o ambiente até ser capaz de desenvolver uma verdadeira resposta para o futuro do planeta.

          Em suma, acredito que a indústria automóvel tenha sentido a pressão social de combater a tendência poluente vivida nas últimas décadas conformando-se com uma resposta simples, incompleta e de curto-prazo.


Manuel Pereira

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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