domingo, 24 de outubro de 2021

Chave do sucesso de vacinação em Portugal: responsabilidade ou obediência?

Com 86,38% dos portugueses completamente vacinados contra a covid-19, Portugal é o 2º país com a maior taxa de doses administradas por 100 habitantes do mundo e um caso de estudo para outras nações. Os governos e a imprensa internacional têm-se desdobrado em tentar desvendar qual é a razão do sucesso da vacinação portuguesa, e como replicá-la nos restantes países.

O programa de vacinação português teve um começo atribulado, desde a vacinação indevida dos mais influentes na sociedade, à desconfiança da população quando as vacinas começaram a chegar ao país. Foi necessário que o Vice-Almirante Gouveia e Melo, um comandante naval, assumisse o comando da Task Force da vacinação contra a covid-19 para que a missão fosse bem sucedida.

As imprensas nacionais e internacionais afirmam que a postura do Almirante foi um fator decisivo para o êxito da vacinação. Gouveia e Melo tratou do combate ao vírus como se de uma guerra se tratasse, usando, para isso, sempre farda militar e linguagem de guerra. Adicionalmente, o Almirante rodeou-se de uma equipa de matemáticos, doutores, analistas e experts em estratégia militar, deixando de lado os políticos. O próprio afirma ainda que a consistência da mensagem é essencial, e para tal usou as suas tropas para restaurar e construir confiança no sistema, e sugere que para atingir o sucesso de vacinação portuguesa os outros países "precisam de encontrar pessoas que não sejam políticos”.

A verdade é que muitos países ocidentais, nos quais existe abundância de doses de vacinas contra a covid-19, ainda têm uma parte significativa da população desprotegida. Poderemos aplicar a estratégia portuguesa nesses países?

Apesar do Almirante Gouveia e Melo ser visto como um herói pelos portugueses, e como uma fonte de inspiração para outros líderes a nível mundial, existem outras teorias sobre o sucesso da vacinação portuguesa. Nomeadamente, a psicóloga clínica Laura Sanches atribui o êxito da vacinação não à credibilidade associada ao Almirante e à sua Task-Force mas à atitude passiva dos portugueses, afirmando que “nós (portugueses) não temos uma cultura de questionar as autoridades”, acrescentando ainda que “o uso de farda e linguagem militar provocaram um sentimento de medo que nos faz mais propensos a obedecer e não questionar”.  A opinião de Tiago Correia - professor da Universidade Nova de Lisboa - vai de encontro à da psicóloga e acrescenta que o facto de a opinião pública definir Gouveia e Melo como o “fator chave” do sucesso da vacinação é um exagero dado que, em Portugal, já existia uma atitude de consentimento perante o programa de vacinação nacional, e, por outro lado, não se verifica nenhum movimento significativo anti-vacinas.

A meu ver, penso que não seria possível replicar a estratégia portuguesa nos restantes países, dado que, para mim, o sucesso da vacinação portuguesa se baseou numa questão meramente cultural: os portugueses não se questionam apenas obedecem. É um facto que Gouveia e Melo conduziu a sua missão com seriedade e restaurou a confiança dos portugueses no processo de vacinação, desempenhando o seu papel de forma exímia, contudo, ele só fez o que lhe competia. Nós, portugueses, estamos tão habituados à incompetência e falta de seriedade de quem nos dirige que, ao verem alguém desempenhar seriamente as funções para as quais foi nomeado, não hesitamos em aclamá-lo herói nacional.

Adicionalmente, o papel desempenhado pelos media foi preponderante, pois estes são a maior fonte de informação sobre o vírus, e, na minha opinião, tiveram a capacidade de influenciar o comportamento público. Estes não evidenciaram os prós e os contras da vacinação, resultando numa falta de estímulo de pensamento crítico da população em geral, pelo contrário, enfatizaram somente o lado que mais favorecia o plano traçado pelo governo.

 

Beatriz Braga Machado

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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