quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O futuro da reforma

Sessenta e seis anos e seis meses. Esta é a idade a que os portugueses se podem reformar em 2021, e que tem vindo a aumentar nos últimos anos para fazer face ao envelhecimento da população e à tendência decrescente da natalidade. Se nada mudar no paradigma demográfico, torna-se relevante questionar: passará o futuro do sistema de pensões pelo aumento sucessivo da idade da reforma ou existirão outras alternativas?

Antes de mais, é necessário compreender o atual modelo de financiamento da Segurança Social, que assenta em três pilares: o primeiro patamar é geralmente financiado pelos impostos do orçamento de Estado e inserem-se nele as pensões sociais e as pensões mínimas; no segundo está a cargo da gestão estatal, e aí se incluem-se as pensões de índole contributiva; e no terceiro, pouco desenvolvido em Portugal e de caráter complementar, inclui os fundos de pensões associados às empresas e aos ramos de atividade.

Ou seja, na prática, o sistema de pensões português resume-se aos dois primeiros níveis, fortemente dependentes das contribuições dos trabalhadores e, portanto, mais vulneráveis às dinâmicas demográficas.

Tendo presente a informação anterior, e esperando-se entre 2020 e 2070, uma diminuição da população portuguesa para 7,9 milhões de habitantes (-22,5%), a par de uma redução da população ativa em cerca de 37%, onde a hipótese de carreiras mais longas tem vindo a ganhar destaque. Adiar a reforma surge como uma medida que contribui para resolver o problema financeiro do país, assim como evita a perda de rendimento de muitos pensionistas, podendo a passagem gradual da vida ativa para a reforma, através de pensões parciais, ser uma decisão do agrado de muitos trabalhadores.

No entanto, só faz sentido a sua implementação se a economia tiver um baixo nível de desemprego, de modo a acomodar os trabalhadores mais velhos sem excluir os jovens do mercado laboral.

De um ponto de vista pessoal, não concordo com o atrasar sucessivo da reforma pois, além dos desafios que podem advir para os trabalhadores que não se encontram saudáveis ou têm empregos exigentes fisicamente, não faz sentido “reestruturar” os ambientes e horários de trabalho para incorporar trabalhadores que acredito estarem psicologicamente cansados e com dificuldades de motivação para permanecer no ativo numa idade a que se habituaram a ver como “idade da reforma.

Noutra perspetiva, a resposta pode passar pelo encorajamento das opções de capitalização e desenvolvimento do patamar de gestão privada, complementando-se a reforma tradicional com soluções privadas. Relativamente à primeira, apesar de crer que é necessário aumentar o nível de literacia nacional, não considero que a utilização das poupanças individuais como reforma seja uma alternativa justa, visto que a capacidade de poupar depende em grande medida do rendimento auferido.

O crescimento do PIB, a diminuição do desemprego e uma melhor regulação laboral, a par do aproveitamento do potencial tecnológico e maior tributação sobre as grandes riquezas são, na minha opinião, aspetos chave para o futuro, posto que a insustentabilidade do sistema previdencial é igualmente resultado do fraco crescimento do PIB, aumento do desemprego e baixa produtividade do trabalho.

Apostar nestes setores, através da promoção da inovação, desenvolvimento do capital humano e físico e eficiência das instituições é essencial. Porém, a sua concretização não é fácil, dado implicar a alteração do padrão de desenvolvimento económico, num contexto marcado por transformações tecnológicas e vidas contributivas cada vez mais irregulares, devido à tendência crescente de empregos precários e salários baixos.

Em suma, num momento histórico pautado pela incerteza, insegurança e constante mudança, para garantir a subsistência do sistema de reformas, do ciclo de vida convencional e da sociedade será necessário a tomada de decisões fulcrais pelas forças políticas, a começar agora.

 

Marta Pereira

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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