domingo, 6 de outubro de 2019

Como a Libra pode abrir caminho para uma nova moeda global

Em junho de 2019, o Facebook anunciou que desenvolveria uma nova moeda digital chamada Libra, que reinventaria o bitcoin dez anos após o seu lançamento. Seu objetivo é criar uma forma alternativa de pagamentos que possibilitaria que indivíduos realizassem transações a taxas negligenciáveis, sem a necessidade de uma conta bancária. As criptomoedas já existentes ainda não são consideradas grandes ameaças às moedas tradicionais devido à sua alta volatilidade de preços e custos de transação. Mas as alterações propostas pelo Facebook acompanhadas de seus mais de 2 mil milhões de usuários obrigaram os bancos centrais de todo o mundo a repensarem seu papel na revolução da moeda digital.
O Facebook pretende fazer algumas alterações em relação ao bitcoin para solucionar seus diversos problemas. Para diminuir a volatilidade de preços, o Facebook anunciou que a Libra será lastreada por uma reserva constituída por ativos de baixíssimo risco denominados em diferentes moedas (50% em dólares e 50% dividido entre euro, libra esterlina, yen e dólar de Singapura). Além disso, todo o dinheiro usado para compra de Libra também será colocado na reserva, evitando os efeitos negativos de uma possível “corrida aos bancos” que é observada no sistema de reservas fracionárias.  A empresa também promete que as transações serão praticamente gratuitas e extremamente fáceis, enquanto uma transação de bitcoin pode custar vários dólares.
Se a Libra conseguir alcançar esses objetivos, uma moeda digital como essa pode ser extremamente benéfica para o sistema financeiro global, em que 1,700 milhões de pessoas não possuem uma conta bancária e precisam se submeter a taxas obscenas para realizar qualquer tipo de pagamento, segundo dados do World Bank.
No entanto, uma possível proliferação da Libra levanta grandes preocupações. A principal preocupação é a regulamentação dessa nova moeda. As leis que estão sendo utilizadas para as criptomoedas existentes não são suficientes para proteger os investidores e consumidores de uma moeda digital da dimensão que o Facebook propõe. Assim como outras criptomoedas, será possível comprar e transacionar Libras a partir de usuários pseudônimos, possibilitando o uso da moeda para a realização de crimes financeiros, como evasão de impostos e lavagem de dinheiro. Para que a moeda possa ser aceite, é necessário que sejam implementadas medidas extremamente rígidas contra esses tipos de crimes. Por esse motivo, a empresa tem apresentado dificuldades em realizar parcerias com bancos. Para além disso, caso a Libra alcance uma dimensão similar a outras moedas tradicionais, é possível que a nova moeda digital limite o poder de bancos centrais de implementar política monetária por meio da alteração da oferta de moeda.
Certamente, existe uma procura de moedas digitais que facilitem transferências e pagamentos, mas essas preocupações levantam dúvidas de se esse movimento deveria ser liderado por empresas privadas. Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra, declarou que está de “mente aberta”, “mas não de portas abertas” para o projeto Libra, e sugere que seja criada uma moeda digital global controlada por bancos centrais. Um projeto como esse poderia trazer os benefícios da Libra e evitar que empresas privadas adquiram um poder financeiro indesejável.
Uma moeda global poderia eventualmente, também, substituir o dólar como moeda de reserva. A importância do dólar no sistema monetário internacional atual faz com que vários países fiquem reféns de flutuações da moeda americana, mesmo que não sejam grandes parceiros comerciais dos EUA. Isso obriga os países a criarem grandes reservas de dólares como prevenção a uma possível fuga de capital, criando um excesso de poupança e baixos níveis de crescimento. Ao extinguir a importância do dólar, esses problemas acabariam. A Libra pode não ser a resposta para o sistema monetário mundial, mas ela abriu uma discussão para uma solução melhor.

Lucas Guimarães

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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