A
desigualdade de género salarial é, até aos dias de hoje, uma realidade que
teima em persistir. Diversos estudos comprovam a sua existência em praticamente
todos os países, quer em países ditos mais pobres quer em países que lideram em
termos de desenvolvimento e riqueza, como por exemplo a Suécia. O nosso país
não foge à regra, apresentando uma diferença de 11,2€ por hora, mesmo tendo as
mulheres portuguesas, em média, uma escolarização mais elevada.
Teoricamente,
a determinação salarial é feita com base na negociação entre empregador e
empregado (sendo este muitas vezes representado como um coletivo pelos
sindicatos), tendo em conta alguns fatores, como a taxa de desemprego, o quão
difícil seria para o empregado encontrar outro emprego se saísse da firma e o
quão custoso seria para o empregador contratar outro trabalhador. Ao olharmos
para este processo podemos então questionarmo-nos como é que o género entra
para afetar o salário.
A
verdade é que a discriminação do empregador, mesmo sendo muitas vezes
inconsciente, tem um peso muito forte na decisão. As mulheres, ao entrarem no
mercado de trabalho, não são vistas simplesmente como um funcionário. O
empregador tem em conta mais condicionantes do que com um homem – como, por
exemplo, a probabilidade de esta querer ter filhos no futuro e ter direito a
dispensa de maternidade. Além disso, há diversos estudos que indicam que as
mulheres têm mais aversão ao risco, o que as leva a evitar negociar as
condições salariais no momento da contratação por receio de serem recusadas e
não conseguirem encontrar outro emprego.
Analisadas
todas estas condicionantes, resta-nos então o problema de como as resolver. Ao
longo dos anos, foi criada imensa legislação para tentar colocar um ponto final
na questão, mas, no máximo, esta funcionou apenas como “virgulas” que foram
atenuando mas nunca eliminando completamente o problema. A igualdade salarial
está assegurada há 60 anos nos Tratados da União Europeia, está presente na
nossa Constituição e até está assegurada no Código de Trabalho, mas a realidade
é que até hoje as mulheres continuam a dar 58 dias de trabalho gratuito, se as
compararmos com os homens.
O
economista Gary Becker afirmou, em 1957, que a solução está na competitividade.
A discriminação, quer de género, raça ou qualquer outro aspeto, implica custos:
se um empregador decide empregar um homem a quem pagará mais do que a uma
mulher para a mesma produtividade, ele está a aceitar perder dinheiro só para
satisfazer os seus gostos. Ao aumentarmos a competitividade de um mercado, o
empregador vai sentir necessidade de diminuir os custos para manter a
concorrência e vai ser obrigado a abdicar da sua discriminação.
Esta
teoria foi testada recentemente por uma economista da Escola de Economia e
Gestão da Universidade do Minho, Priscila Ferreira, juntamente com dois colegas
da Universidade de Exeter. Estes, decidiram olhar para o efeito da criação da
“Firma no Minuto” na desigualdade salarial. Para percebermos esta experiência,
definida pelos autores como uma “quasi-natural experiment”, o que a torna
extremamente relevante para comprovar a teoria de Becker no “mundo real”,
convém perceber primeiro os seus condicionantes.
O
programa Firma no Minuto foi criado pelo governo português para diminuir muito
significativamente a burocracia que travava o empreendedorismo, dificultando o
processo de criação de novas empresas, fazendo com que Portugal passasse de
113º para 26º no ranking de “Ease at Doing Business” do World Bank. Com esta
descomplicação burocrática, o que se sucedeu foi um elevado aumento do número
de empresas, que fez crescer a competitividade dos mercados. Observaram-se
várias consequências que comprovaram então a teoria: os salários em geral
aumentaram, sendo estes aumentos maiores para as mulheres do que para os homens
nos cargos de média e alta qualificação, reduzindo assim a desigualdade.
Torna-se
assim óbvio que a solução não é tão direta como parece, mas que existe. A
criação de sistemas de quotas e de salários máximos, apesar de poder ajudar, é
ineficiente. É a responsabilidade do governo fomentar a competitividade, com
políticas económicas que reduzam a burocracia, com a criação de veículos que
incentivem o empreendedorismo e, idealmente, conseguindo encontrar formas de
diminuir a taxa de desemprego, visto que esta tem um efeito muito negativo na
competitividade do mercado. O que não podemos mesmo fazer como cidadãos é
fechar os olhos a esta desigualdade. Se uma experiência tão simples como a
redução da burocracia a nível municipal obteve resultados tão notórios,
torna-se insustentável negar a existência do gender pay gap e urgente encontrar uma solução.
Ângela Monteiro
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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