Os
cidadãos alemães vivem permanentemente assombrados por memórias de duas guerras
mundiais, do fascismo, do comunismo, da deflação na altura da Grande Depressão
e da hiperinflação entre 1919 e 1923. Este conjunto de fatores, contribui para
um clima constante de insegurança perante a economia e as problemáticas que
advêm da UE e do BCE. Todos estes motivos implicam que os alemães sejam
recordistas em poupança entre os países europeus, ficando apenas atrás dos
luxemburgueses, como se constata na tabela abaixo.
Num
pequeno aparte, podemos constatar que países como a Bulgária, a Letónia e o
Chipre tiveram momentos em que as suas taxas de poupança foram negativas,
significando assim que “viviam acima das suas possibilidades”, ou seja, à base
da contração de créditos ao consumo. As famílias portuguesas depois da Crise
Financeira Internacional (CFI) aumentaram as suas taxas de poupança, no
entanto, ao longo dos últimos 8 anos têm vindo a diminuir a quantidade de rendimento
que não utilizam para consumo. No contexto alemão, a situação é bem diferente:
a taxa de poupança tem-se mantido estável nos últimos 12 anos, contudo há uma
ligeira tendência para crescer desde 2013 até ao presente.
Savings Rate (% of Disposable Income)
Source:
Eurostat
Este
estado de frugalidade permanente dos alemães, por vezes exagerado, gerou um
clima de tensão com o BCE. No período da CFI, o BCE baixou para valores
negativos a taxa de juro e aumentou exponencialmente a Oferta Monetária na Zona
Euro, adotando uma política monetária extremamente expansionista. Dentro
desta encontaámos muitas políticas não convencionais, como o Quantitative Easing.
Como sabemos, estas expansões
monetárias que fazem com que as taxas de juro sejam reduzidas são uma espada de
dois gumes. Favorecem quem contrai empréstimos, mas prejudicam quem poupa e
detém depósitos. Como vimos, os alemães são uns dos povos que mais poupam na
Europa, o que gerou muita indignação. Este quadro abaixo ilustra bem como as
famílias alemãs são as que mais depósitos têm na área do euro, contribuindo em
31% para o total da área, apesar da sua população corresponder a apenas 24%
da população total desta área.
Contextualizando o tema, é importante
referir que o BCE, na pessoa do seu presidente, afirmou num discurso em Londres
em julho de 2012 que iria fazer tudo ao seu alcance para salvar o euro. Neste
discurso ficou bem explícita a ideia de que iriam adotar políticas monetárias
expansionistas. As medidas estariam voltadas para ajudar países como Portugal,
Espanha, Itália e Grécia a conseguirem financiarem-se nos mercados
internacionais a taxas de juro mais baixas. Isto parece-me extremamente
razoável uma vez que sem financiamento e com uma economia cada vez mais
desacelerada as políticas orçamentais restritivas, entre as quais os aumentos
de impostos, não iriam produzir os efeitos desejados nas receitas do Estado e
iriam causar ainda mais indignação nestes países. Assim, esta medida foi, do
meu ponto de vista, bem alinhavada e coerente com o projeto europeu.
Os
países do Norte, que não apresentavam dívidas públicas elevadas e que tinham
geralmente resultados superavitários, não apreciaram esta medida, tendo como
principais contestadores os cidadãos alemães. Importa lembrar que a Alemanha é
a principal potência da Zona Euro, onde a cultura da poupança está tão
enraizada como as salsichas, a cerveja ou os automóveis. Não terá sido por mero
acaso que em 1778, com ideias marcadamente Iluministas de mobilidade social,
surgiu em Hamburgo o primeiro banco de poupanças do mundo.
Taxas de Juro baixas ou negativas e poupança
na mesma frase é algo que não fará muito sentido, pois, num curto período de tempo as poupanças
não aumentam, diminuem. Portanto, num país onde a compra de casa é extremamente
rara e onde a preferência recai no mercado do arrendamento, os créditos à
habitação são praticamente inexistentes bem como a contração de empréstimos,
estas medidas não foram bem aceites. Em territórios germânicos, a poupança é
quase uma obrigação moral, tal como disse Kai Uwe Peter, diretor-geral do
Berliner Sparkasse, numa entrevista ao Financial Times: “Saving is seen as the morally right thing to do. It
is more than a simple financial strategy”.
A
contestação estendeu-se a órgãos mais significativos na Alemanha como o
ministro das Finanças, Olaf Scholz e ao Presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble,
que enquanto ministro das finanças em 2016 disse que as taxas de juro
extremamente reduzidas seriam, em parte, responsáveis pelo surgimento de uma
alternativa xenófoba na Alemanha. Vítor Constâncio, ex vice-governador do BCE,
diz que as taxas atingiram níveis tão baixos porque existe uma primazia em
poupar em vez de consumir/investir, e aponta o dedo aos alemães por pouparem em
demasia, o que motiva uma queda na procura agregada.
O
Bundesbank e a BaFin realizaram testes de resistência a mais de 1400 bancos de
pequena/média dimensão e concluíram que a rendibilidade
dos bancos e caixas de crédito alemães é "fraca" e é muito provável
que ainda diminua devido ao nível historicamente baixo das taxas de juro. É
também de notar que os bancos alemães já aplicam taxas de juro negativas a
depositantes que detenham mais de 100 mil euros em contas de depósitos à ordem.
Há um crescente receio que estas cobranças se estendam a todas as contas de
depósitos à ordem.
Na minha opinião, o BCE
deveria, ainda durante o mandato de Mario Draghi, pois este detém uma excelente
reputação juntos dos investidores e dos mercados, procurar retirar as taxas de
juro de território negativo e seguir uma política muito similar à da FED,
embora mais comedida, dado que vivemos tempos conturbados com a Guerra Comercial
entre EUA e China, e o cada vez mais tempestuoso Brexit. Apesar do crescimento
económico de países como Portugal, Espanha e Itália ainda não ter sido
suficiente para recuperar dos tempos difíceis da CFI, suportar taxas de juro
com um aumento proporcional e adequado não será muito difícil. Antes isso do
que os bancos em países como Alemanha, Luxemburgo e Finlândia a aplicar taxas
de juro negativas a depósitos à ordem e ver uma corrida aos bancos para retirar
o dinheiro destas contas.
Luís
Carlos Lemos Mouta Peixoto
Referências:
https://www.ft.com/
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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