segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Um país às escuras

O sector da eletricidade em Portugal tem assistido a uma dinâmica de alterações estruturais, que vão no sentido da liberalização imposta pela troika.  Esta entende que o mercado português da eletricidade tem elevados níveis de concentração. Desta forma, Portugal tem a obrigação de aderir ao mercado livre da energia até ao final do ano corrente. No entanto, esta liberalização dos preços da eletricidade poderá fomentar um aumento das tarifas,  à semelhança do que aconteceu com a abertura dos mercados dos combustíveis, em 2004.
No que concerne ao sector elétrico português, é pertinente “esmiuçar” uma simples fatura da eletricidade. Desta forma, percebemos que 75% da fatura da luz é canalizada para a produção e transporte da energia, sendo os remanescentes 25% dirigidos para os denominados custos políticos. Os CIEG (Custos de Interesse Económico Geral) são fundamentalmente cedidos às produtoras de energia como forma de “indemnizar” a EDP da liberalização do mercado e a panóplia de pequenos e médios produtores dos investimentos efetuados para a produção de eletricidade,  sendo que estes custos em 2012 somam 1,7 milhões de euros. Esta parcela de 25% contempla essencialmente apoios aos investimentos efetuados nas energias renováveis, todavia estes apoios podem ser questionáveis.  Tais apoios podem ser explicados pelo facto das energias renováveis apresentarem uma menor rentabilidade produtiva comparativamente às centrais a gás, carvão ou gasóleo, mas também porque as renováveis traduzem-se em multas inferiores para Portugal por excesso de emissões de CO2. Para além disto, a utilização dos recursos renováveis tem implicações positivas, dado que reduz as importações de petróleo. Aparentemente estas ajudas possuem justificações credíveis, pese embora estas evidenciem um problema no que diz respeito ao soberbo número de licenças de renováveis cedidas pelo Estado, que se caracterizam por preços garantidos excessivamente elevados.
No que se refere ao setor em análise, a construção das novas barragens apresenta-se do meu ponto de vista como um dos casos mais gritantes de desaproveitamento de dinheiros públicos, dado que o governo de Sócrates deliberou a venda de licenças para se construírem mais 10 barragens, que terão de ser pagas durante 30 ou mais anos. O resultado das novas construções traduz-se num aumento da fatura da luz em cerca de 10 % a partir de 2016, ou seja 4900 euros por família ao longo do período de vida das barragens. Para além dos “penosos” custos económicos, a aposta nesta forma de produção de energia encontra-se seriamente ameaçada, na medida em que as alterações climáticas estão a provocar uma diminuição da produção de eletricidade, dada a diminuição da quantidade de água. Por último, temos que estas obras hipotecaram o potencial turístico de zonas como o Sabor e o Tua. 
Mas falar do setor elétrico em Portugal é referir que estamos perante um peso-pesado da fatura externa do país. Sendo que uma parte expressiva da energia elétrica produzida durante o dia utiliza principalmente os combustíveis fósseis, sendo estes maioritariamente importados. No entanto, os atuais incrementos no preço da eletricidade não são suficientes para pagar os custos reais de produção. Assim, este tipo de políticas persiste  em impelir para o futuro uma fatura que os consumidores deveriam estar a pagar neste momento.
Para além disso, o défice tarifário da eletricidade pode ser encarado como um entrave ao desenvolvimento de uma concorrência eficiente no mercado a retalho, penalizando os consumidores de duas formas, pois não lhes permite beneficiar dessa concorrência, e obriga-os ao pagamento de juros referentes a este défice.
Desta forma, interessa saber se o Governo irá continuar a “esconder a cabeça debaixo da areia”, pois estamos a edificar um país que ficará literalmente às escuras.

Ana Isabel Ribeiro Cerqueira

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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