A crise sanitária causada pela COV-SARS-2 no início do
presente ano deverá ficar para sempre na história da humanidade. A sua marca
nos livros de história não ficará apenas pela descrição deste inimigo invisível
que contagiou tantas pessoas e fez muitas outras sucumbir, mas também pelo
abalo que se fez rapidamente sentir nos restantes setores da economia, expondo
as suas fragilidades. Os sistemas de saúde enfrentaram uma procura por cuidados
de saúde cada vez maior, resultando na rutura de muitos hospitais que não
conseguiram fazer face às necessidades. O sistema laboral encontrou igualmente grande
turbulência, resultando nos mais adversos efeitos, tais como a falência de
algumas empresas, as perdas brutais de lucros e uma acentuação das diferenças
entre classes sociais.
Naturalmente, e como resultado de todas estas alterações,
as economias depararam-se com grandes necessidades de investimento de modo a
controlar as perdas que se fizeram sentir e, sobretudo, a instaurar novas
medidas sociais para conter a propagação da covid-19. No entanto, será que as
medidas implementadas para fazer frente à pandemia não colocam em risco toda a
nossa aprendizagem de como é viver em sociedade? Será que o regime democrático
conseguirá ultrapassar o coronavírus e continuar a funcionar nos mesmos moldes
que vigoravam anteriormente?
Como resposta ao crescente número de casos confirmados
nos demais países, foram rápidas as medidas que restringiram contactos entre
pessoas, desde a distância social a confinamentos e estados de emergência.
Diversas atividades e iniciativas sociais foram canceladas, chegando até a ser
proibidas em alguns casos. Restringiram-se protestos e reduziu-se a informação
disponível através da imprensa para não instalar o pânico. Obviamente, as
limitações acima descritas vão contra direitos constitucionais, colocando em
causa a liberdade dos cidadãos que não só deixaram de poder protestar e afirmar
as suas ideologias como perderam parcialmente o direito à informação. Contudo,
foram impostas mais medidas que demarcaram os nossos comportamentos e hábitos,
como é o caso dos confinamentos, em que a sociedade se limitou ao seu domicílio
revelando-se, nesses períodos, uma maior falta de liberdade como nunca tinha
sido experienciada anteriormente.
Todas estas regras e precauções permitiram uma ascensão
de partidos extremistas que defendiam que não estariam a ser adotadas as
melhores medidas para contornar esta pandemia. Com o clima de insegurança e
incerteza e com o protagonismo crescente de ideologias radicais, a democracia
estremece. Um dos motivos pelo qual esta é uma grande preocupação prende-se, em
parte, com eleições adiadas pelo globo que não foram remarcadas e, portanto,
prevê-se um abuso de poder por parte dos líderes atuais. O mesmo receio
relativamente ao uso indevido de poder relaciona-se com os vários estados de
emergência que ameaçam a forma original do regime democrático. Há efetivamente
uma apreensão crescente de como irão os políticos no futuro governar e se a
democracia continuará nos moldes de hoje.
Com todo este solavanco na história mundial, pudemos constatar
que a democracia instituída apresenta ainda algumas falhas e talvez seja uma
boa oportunidade para corrigirmos estas imperfeições e prosseguirmos mais
fortes e mais seguros. O mundo mudou com a covid-19, fez modificações em
semanas que demorariam meses, adaptou-se. Criámos um novo ponto de vista,
alterámos prioridades e reformulámos pensamentos. Acredito que também o podemos
fazer no nosso modelo democrático. Citando Fareed Zakaria na sua publicação no The
Washington Post, “Esta pandemia cruel criou a possibilidade de otimismo,
mudança e reforma. Abriu um caminho para um novo mundo. Podemos aproveitar a
oportunidade ou desperdiçá-la.”. Não vamos deixar a democracia morrer na
escuridão, mas sim deixá-la viver num mundo luminoso.
Ana Isabel Resende
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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