quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Vida noturna e pandemia

 

No dia 1 de março de 2020, foi decretado pelo Presidente da República de Portugal o estado de emergência nacional, face à ameaça que a evolução da atual pandemia representava para a saúde pública nacional. O decreto do Estado de Emergência levou a que fossem tomadas medidas excecionais face a uma ameaça com proporções nunca antes vistas, como a paragem das atividades não essenciais. Como consequências da crise sanitária e destas medidas necessárias para evitar a propagação em massa da doença, a grande maioria dos setores económicos foram afetados negativamente. Neste trabalho vou dar ênfase às consequências da pandemia nas atividades noturnas.

A economia noturna pode ser definida através do conjunto das atividades económicas desenvolvidas em horário noturno (das20h até às 6h), tais como: bares, cafés, discotecas, restaurantes de comida rápida, espetáculos, concertos e eventos. A atividade noturna e a vida noturna como um todo são uma parte significativa da economia e antes da pandemia eram dos setores que mais cresciam no país, não só devido ao grande numero de atividades que este setor engloba mas também devido à mudança do nosso estilo de vida, uma vez que as pessoas e especialmente os jovens de hoje em dia têm uma maior qualidade de vida e buscam mais atividades de lazer que lhes proporcionem prazer e que lhes permita sair da monotonia e do stress do dia-a-dia, e grande parte dessas atividades estão concentradas em horário noturno.

Além disso, as atividades noturnas estão ligadas cada vez mais ao turismo, uma vez que destinos como Lisboa e, principalmente, o Algarve são dependentes de atividades de lazer e associadas a caraterísticas normalmente associadas à noite, como a diversão, alegria e aventura. Além disso, o desenvolvimento de atividades noturnas tem dado “vida”, em especial, ao centro das cidades, que muitas vezes apresentam pouco dinamismo e que são espaços que, além de degradação social, dado o facto de serem espaços na maioria habitados por pessoas com menores rendimentos e minorias sociais, apresentam também degradação física de prédios e infraestruturas, o que contribuí para o declínio destas áreas.

Assim, o impacto que esta crise está a exercer sobre os negócios e atividades ligadas à noite não causa apenas consequências nas atividades deste setor, como o desemprego e o encerramento de diversos espaços, muitos de vez, dada à incapacidade de manter custos associados a estarem encerrados e devido à incerteza daquilo que seriam os meses após o fim do estado de emergência e à falta de apoio do Estado, mas também a perdas económicas no setor do turismo e perda de dinamismo como um todo, já que muitos bares e discotecas, por exemplo, têm-se tornado mais empresariais e representados por marcas, bem como o agravamento do processo de degradação de espaços e do centro das cidades, já que não existe incentivo à reabilitação de prédios e atribuição de novos usos aos mesmos.

Com o decorrer dos meses e consequente evolução da pandemia, a economia foi-se abrindo e voltado “ao normal”, processo este que não tem sido nada fácil para as atividades e negócios noturnos. As regras impostas, como a limitação de pessoas em espaços como bares, discotecas, espetáculos, o uso obrigatório de máscara em espaços fechados, o distanciamento social e a adoção de medida higiénicas, tem produzido tensões enormes nas contabilidades dos negócios, em especial naqueles de menor dimensão e que não estão protegidos por fundos de investimento imobiliário ou grupos empresariais do setor do lazer. Note-se que a maioria do tecido dos negócios noturnos não possui liquidez nem capacidade financeira para aguentar este cenário por um grande período de tempo, pelo que alguns negócios que conseguem seguir em frente e prosperar são obrigados a reinventar-se.

Concluindo, depois daquilo que se constatou, penso que o próximo cenário pós-pandemia deveria identificar a vida noturna e todos os negócios e espaços que esta engloba como parte intrínseca das políticas autárquicas e nacionais, pois a noite constitui um mecanismo de bem-estar sócio-emocional, construção de comunidade e inclusão e vai ao encontro de uma das caraterísticas naturais do ser humano, que é a união e socialização e que após um período longo de confinamento e restrições constitui uma rede de segurança emocional que permite às pessoas seguir em frente e começar de novo.

 

Augusto Bernardes Espinosa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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